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Aliança com PT no Ceará revela encruzilhada nordestina de Ciro

Acordo no Estado da família Gomes ajuda a garantir liderança do atual governador Camilo Santana, e preserva ex-presidente Lula, que supera pedetista em intenções de voto dos cearenses por 56% X 15%





Após uma breve caminhada pelo Beco do Cotovelo, tradicional ponto de encontro no centro do município de Sobral, no Ceará, o candidato à reeleição ao Governo do Ceará, Camilo Santana (PT), parou para um cafezinho. Aproveitou para posar para uma foto no balcão, ao lado do candidato da sua chapa ao Senado, Cid Gomes (PDT), irmão de Ciro Gomes, e de Eunício Oliveira (MDB), presidente do Senado, que tenta a reeleição. A chapa não compõe com o MDB, mas a foto da aliança com o senado, chamada de "informal", revelava um casamento arranjado.

A imagem dos três políticos, retratada no primeiro dia oficial da campanha na cidade cearense sede do clã Ferreira Gomes, aponta para o cenário de contradições que Ciro enfrenta em sua própria casa. Se no plano nacional o candidato a presidente do PDT não poupa críticas ao PT, no Ceará não tem disso. A relação entre petistas, aliados há anos dos Gomes, e pedetistas vai muito bem. A primeira pesquisa realizada após o início oficial da campanha no Estado aponta para o êxito da aliança PT-PDT ali. De acordo com o Ibope, Camilo Santana ganharia já no primeiro turno, com 64% das intenções de voto — não por acaso a vice é Izolda Cela (PDT). Num distante segundo lugar, vem General Teophilo (PSDB), com 4% das intenções de voto.

A questão complica porque o PT também leva ampla vantagem sobre o presidenciável pedetista no Ceará. O ex-presidente Lula lidera as intenções de voto no Estado, com 56% das preferências, na frente de Ciro, com 15%, e Jair Bolsonaro (PSL), com 9%. No provável cenário sem Lula, Ciro sai na frente, com 39% das intenções de voto, seguido de Bolsonaro, 14%, Marina Silva (Rede), 11%, e Fernando Haddad (PT), com 2%. De todo modo, uma marca excelente se comparado com seu desempenho o cenário sem Lula no Nordeste inteiro: ele aparece com 14% sem o petista, mas Marina marca19%, segundo o Datafolha.

A composição da chapa praticamente assegura a influência dos Gomes por mais um mandato no Ceará, mas também cria dificuldades tanto para o candidato do PT, seja ele Lula ou Fernando Haddad, quanto para Ciro na campanha. Para o governador Camilo Santana, a saia fica ainda mais justa. Em entrevista à Rádio Tribuna Band News há duas semanas, Cid Gomes chegou a dizer que espera de Santana “uma postura de magistrado” e que ele não faça campanha para Lula em seu palanque estadual. A sinuca estava formada antes mesmo de os palcos serem erguidos.


Há ainda outro ponto de constrangimento para Ciro: Eunício Oliveira. O pedetista é um crítico contumaz do presidente do Senado e do MDB em geral, com quem disse não querer alianças. Mas no Ceará tanto o PT, que prometeu se abster de se aliar a apoiadores do impeachment, como o PDT dão apoio informal ao senador. O presidenciável do PDT já chamou Eunicio de "corrupto", "picareta" e "assaltante dos dinheiros do povo". Agora, Eunício e Cid Gomes se tornaram a dobradinha da chapa, onde emedebista (com 37% nas intenções de voto) esconde o presidente Michel Temer (MDB) e seu candidato Henrique Meirelles (MDB) na campanha, e Cid (que lidera a corrida com 55%) posa sorridente ao seu lado no material de campanha.

United States of Sobral
Pelas ruas de Sobral, as opiniões sobre os presidenciáveis são complexas quanto a chapa. Apesar da oligarquia dos Ferreira Gomes dominar a terceira maior cidade do Estado, o presidenciável encontra-se agora tendo que dividir as preferências. “Aqui, 80% da cidade vota no Ciro. Pode anotar aí”, disse o aposentado Francisco Prado, no Beco do Cotovelo, um dia antes da visita do governador ao local. Apesar da convicção com os números, ele mesmo está em dúvida entre votar no pedetista ou em Álvaro Dias (Podemos). “São os melhores para mim. Mas ainda não decidi”. No mesmo local, dona Maria Aparecida compartilhava das incertezas. “Lá em casa todo mundo está em dúvida. O que mais vai ter neste ano vai ser voto em branco e nulo”, disse, enquanto tomava um suco de laranja em um café, para se refrescar dos 35 graus que faziam lá fora. “Se Ciro ganhar, pelo menos ele pode fazer alguma coisa pelo Ceará, né?”, pergunta. “Mas se Lula for candidato, eu voto em Lula”, conclui.

Natural de Pindamonhangaba (SP), Ciro Gomes cresceu em Sobral, cidade a 200 quilômetros de Fortaleza. Por isso, ele enche o peito para dizer que é nordestino. Na cidade, Ivo Gomes (PDT), o caçula, é o atual prefeito. Mas Cid também já passou pela administração, por dois mandatos, logo após Ciro ter sido governador do Ceará. Os outros dois irmãos também estão na política: Lúcio Gomes, secretário de Infraestruturas na gestão de Camilo Santana, e Lia Ferreira Gomes, candidata a deputada estadual. Além deles, o pai, o avô, o bisavô, tio e primo estão ou tiveram passagem pela política.

Município de médio porte, a cidade tem cerca de 200.000 habitantes. Em comum, os sobralenses têm a autoestima elevada e predileção por exibir grandeza. Não é raro ouvir que o teatro da cidade é “mais antigo” que o de Fortaleza, ou que o planetário tem "o maior" telescópio do Nordeste. Uma das razões pelas quais os habitantes da cidade se ufanam é, inclusive, o observatório, inaugurado em 2015.

É da astronomia que vem outro grande orgulho da cidade. Seus habitantes se vangloriam de viver no município que sediou a experiência que comprovou a teoria da relatividade, há cem anos. Em maio de 1919, uma expedição inglesa pôde observar com exatidão a partir de um eclipse em Sobral a posição de uma estrela afetada pela força gravitacional do Sol.


Mas a fama real de uma cidade com projeção internacional vem de sua posição geográfica em relação ao oceano. "Sobral é importante por causa do couro", explicou Francisco Prado. "O couro, e consequentemente a moda, chegavam aqui de outros países pelo porto do Pecém, para só depois ir de trem para Fortaleza". Com tanta novidade aportando ali antes mesmo de alcançar a capital, a cidade passou a ser chamada de United States of Sobral. Para ajudar, há dez anos, circulavam pelas ruas ônibus escolares amarelos com os escritos School Bus, doados por uma empresa norte-americana. Hoje eles não existem mais, mas a fama foi crescendo, alimentada também por outro símbolo do local, o Arco do Triunfo, construído no centro.

Por ser tão internacional, o Beco do Cotovelo ganhou uma placa em inglês. E bem ali, no café Jaibaras, a "coluna da fama" expõe nomes e fotos de famosos da cidade. Ciro Gomes, claro, é um deles. "Nos Estados Unidos não tem a calçada da fama?", pergunta o proprietário, Expedido Vasconcelos, que é também presidente da Associação de Amigos do Beco. "Aqui tem a coluna da fama". O famoso Ciro Gomes também está em um retrato no alto da parede. Ao lado da sua imagem, estão o deputado Leônidas Cristino (PDT) e seu irmão, José Clodoveu de Arruda Coelho Neto (PT), chamado de Veveu, ex-prefeito da cidade.

Seu Expedito, dono do café há 40 anos, é Ciro Gomes "de cabo a rabo", como diz. "O que tem em Sobral foi feito pelos Ferreira Gomes", afirma. Mas ele garante que as fotos são em consequência das visitas, e não da preferência. "Se Bolsonaro passar aqui, vai ter foto dele também", garante. Lula não está ali porque perdeu a visita. "Quando ele veio a Sobral, de última hora desmarcou a visita ao Beco porque tinha outra agenda", explica o dono. Perdeu assim, seu lugar no panteão.

IRMÃ DE CIRO PODE FICAR INELEGÍVEL


Seguindo a linha da oligarquia dos Ferreira Gomes no Ceará, Lia Ferreira Gomes (PDT) lançou sua candidatura a deputada estadual na última semana. Antes disso, a irmã mais nova de Ciro Gomes, porém, havia se esquecido de um detalhe importante: cadastrar, junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o recadastramento biométrico, determinado pela Justiça Eleitoral para eleitores de mais de 800 municípios. O título de Lia, portanto, está cancelado pelo TRE, o que pode torná-la inelegível. A Justiça entende que, se um eleitor não está apto a votar, ele também não está apto a ser votado nestas eleições. Por meio de nota enviada à Folha de S. Paulo, Lia afirmou que, ao seu ver, a Justiça Eleitoral não realizou um recadastratamento, mas apenas uma revisão eleitoral para que o eleitor possa ter seu título de forma biométrica. "Isto, a meu juízo, não afeta as condições de elegibilidade. Tenho plena convicção de que isto não será motivo impeditivo para eu registrar a minha candidatura a deputada estadual. A palavra final será da Justiça Eleitoral", disse.
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