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Prisão de Lula movimenta economia, mas traz discussões e rixas entre vizinhos em bairro de Curitiba

CURITIBA (Reuters) - O pacato bairro curitibano de Santa Cândida, onde fica a Superintendência da Polícia Federal em que está preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vive há quatro meses uma revolução: a chegada dele trouxe novos moradores, ainda que temporários, e crises entre vizinhos, mas também movimentou a economia e gerou novos negócios e empregos.

Na fria tarde de sol em que a Reuters esteve na região, Sebastião dos Santos, de 62 anos, subia a rua com seu carrinho de mão cheio de frutas. Desde que Lula chegou à Polícia Federal em Curitiba, Sebastião mudou o rumo das suas vendas diárias para o Santa Cândida.

“Já teve dia que vendi tudo em duas horas”, contou o vendedor, que cobra 5 reais por pacote de uma dúzia de tangerinas. Desempregado, Sebastião veio do interior de São Paulo há sete meses morar com um filho e começou a vender frutas para ajudar em casa. Fã de Lula, espera ver o ex-presidente sair da cadeia para voltar à Presidência.

“Ele é o cara. Se ele voltar as coisas vão melhorar. Quem sabe eu consiga ter as minhas coisas de novo?”, disse.

Nos mais de quatro meses que estão no entorno da Polícia Federal, os militantes ajudam a movimentar a economia do bairro, e não apenas comprando as frutas de Sebastião.

O grupo que organiza a vigília alugou um terreno em frente à Superintendência da PF para manter o acampamento. Pelo menos outras três casas da região também foram alugadas para abrigar militantes que se revezam em Curitiba para fazer companhia ao ex-presidente.

Na vigília, uma das brincadeiras recorrentes é a de que o presidente já está cumprindo uma de suas promessas de campanha: movimentar a economia e gerar empregos.

A professora Cláudia dos Santos é dona do Canja Bistrô, único café nas imediações da Polícia Federal, aberto seis meses antes da prisão de Lula. Até o ex-presidente chegar, funcionava meio período, um projeto familiar que Claudia pretendia ver crescer nos próximos anos. Hoje, o bistrô tem dois empregados fixos —uma cozinheira e um barista— e Claudia está treinando mais uma pessoa.

“Nem gosto de falar isso, mas faz dois meses que o Canja se paga”, conta Cláudia. “O café era um plano para 15 anos, para quando eu me aposentasse. Esse plano acelerou muito, me pegou de surpresa.”

Durante todo o dia, o entra e sai do café é constante. Tanto de quem vai comer ou beber alguma coisa, mas também de militantes que, envergonhados, chegam pedindo para usar o banheiro — um pedido nunca negado.

“Se a gente vai trabalhar com público tem que tratar todo mundo bem, posição política não interessa”, explicou Joe dos Santos, 22 anos, o barista contratado por Cláudia há três meses.

Joe estava desempregado e recém-casado. Foi fazer um treinamento com Claudia, porque planejava ser barista. Com o aumento do movimento, passou a ser o responsável pelo café pela manhã.

Se a prisão do ex-presidente movimentou a economia no Santa Cândida, também trouxe dissabores para a vizinhança, especialmente nos primeiros dias. Logo depois da prisão de Lula, mais de mil pessoas chegarem a Curitiba para montar a vigília. Acampados nas ruas, na frente das casas, em calçadas, os militantes levaram a polícia a fechar vias, impedindo até a passagem de moradores.

“O início foi difícil. Acabaram com a minha grama, acamparam aqui na frente. Mas agora está tranquilo. A gente se adapta e eles também”, disse o empresário Armando Rizental, que mora a cerca de duas quadras da PF.

CICATRIZES
A vizinhança no Santa Cândida termina por repetir as divergências políticas que dominam hoje o Brasil. Há os indiferentes, os que defendem o ex-presidente e os que o detestam. As disputas políticas levaram ao rompimento de uma amizade de mais de 20 anos entre as vizinhas Williamara Santos e Andriele de Fátima Villela.

“Eu ia ser madrinha do filho mais novo dela. Agora, a gente nem se cumprimenta mais”, afirma a cabeleireira Andriele, com uma certa tristeza.

A família de Williamara abriu a casa para os manifestantes. “Nos primeiros dias eles estavam acampados aqui na rua. Um deles foi pedir água na vizinha e ela mandou eles para o inferno. Minha mãe aí deu água, deixou usar o banheiro... a gente foi conhecendo, começamos a conversar, passamos a entender a luta deles”, contou Williamara.

A família, que chegou a comemorar a prisão de Lula, hoje abriga na garagem de casa uma das cozinhas comunitárias, essa organizada por sindicalistas, batizada de Casa Marielle Franco, em homenagem à vereadora do PSOL assassinada no Rio de Janeiro há cinco meses.

“A imagem que a gente tinha era de que era todo mundo vagabundo, e não é assim. São bons seres humanos, com uma história de luta. Minha mãe chegou a pedir perdão a eles”, disse Williamara.

A mãe, Jane —que terminou se filiando ao PT— não estava em Curitiba por aqueles dias. Foi para Brasília, em um dos ônibus do MST, para o movimento que levou milhares de pessoas ao Tribunal Superior Eleitoral para acompanhar o registro da candidatura de Lula à Presidência da República.

Do outro lado da rua, a vizinha Andriele acompanha com olhar crítico a movimentação na casa de Williamara. A cabeleireira reclama de barulho, sujeira, entra e sai de gente desconhecida no bairro, e culpa as vizinhas pela movimentação.

“Se essa cozinha não estivesse aqui eles também não estavam”, disse. “Se venderam para esse povo por dinheiro e compraram uma briga que não era deles.”

Andriele afirma que bate-bocas e discussões com os manifestantes são corriqueiros agora, já que eles sabem que não gosta da movimentação e “provocam” a família.

A cabeleireira e a família comemoraram a prisão do ex-presidente. Agora, torcem para que ele seja solto. “A gente só vai ter paz quando ele sair daqui”, diz Andriele.

Edição de Maria Pia Palermo e Alexandre Caverni
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