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Haddad, emparedado entre o petismo e o pragmatismo

Ex-prefeito de São Paulo chega à semana decisiva antes do primeiro turno dividido entre bandeiras históricas do PT e um inevitável flerte com o eleitor de centro



Parecia que era a última palavra sobre o assunto. No início da semana passada, o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, foi perguntado se, uma vez no Palácio do Planalto, indultaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de dizer que o próprio Lula não queria o benefício, o ex-prefeito de São Paulo foi taxativo: "Não. Não, a resposta é não [ao indulto]".

Uma semana depois, a polêmica voltou à tona, dessa vez pelas palavras da presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann. Ela afirmou em entrevista que conceder um indulto ao líder maior do partido —preso há seis meses em Curitiba em razão de uma condenação por corrupção e lavagem de dinheiro— seria uma situação "absolutamente normal". Mais do que simples opiniões divergentes, as declarações de ambos revelam um curto-circuito no seio da campanha presidencial do PT. De um lado, Haddad procura desenvencilhar-se de um tema explosivo e, com isso, flerta com um público tradicionalmente não alinhado ao petismo. Do outro, Gleisi acena aos militantes mais aguerridos do partido, mas toca num assunto que tende a afugentar os mesmos eleitores de centro que Haddad tanto almeja conquistar num eventual segundo turno.

"Quando você tem gente com o Fernando Pimentel [governador de Minas Gerais] e a Gleisi dando declarações sobre questões que têm impacto no seu desempenho, isso mostra, no mínimo, uma falta de coordenação de campanha. E não é um tema qualquer", avalia Marco Antonio Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas.

O mal-estar com a fala de Gleisi ficou evidente dentro do próprio PT, com correligionários acusando nos bastidores a presidenta da legenda de se preocupar apenas com a sua eleição para a Câmara dos Deputados.  "Isso [dizer que poderia haver um indulto ao Lula] só tira voto [do Haddad], é um erro drástico", avalia um parlamentar da sigla. Um outro dirigente acrescenta: "É um assunto que move paixões e ódio. Estrategicamente não é o momento de pautar isso."

Não foi a única mensagem contrária ao aceno mais centrista ensaiado por Haddad. Em entrevista ao EL PAÍS, publicada na quarta-feira, o ex-ministro de Lula José Dirceu disse que "não dá para tirar o Brasil da crise sem afetar a renda, a propriedade e a riqueza da elite". "Nós não temos a elite do país e nem queremos ter (...). Eles que rezem para que eu fique bem longe. Não vamos precisar dela (elite) não. Ela vai ter que entregar os anéis". Em outro momento da entrevista, questionado se havia possibilidade de o PT ganhar, mas não assumir a presidência por causa de um golpe, ele fala que acredita que é improvável e não seria tolerado pela comunidade internacional. E completa: "E dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição." O trecho viralizou nas redes e foi reproduzido no Twitter do líder das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL). Procurado de novo pela reportagem, Dirceu não quis comentar a frase.

Um esforço para dar "cara de Haddad" na campanha
Haddad e alas do PT têm divergido desde o início do processo eleitoral. Aos poucos, o ex-prefeito de São Paulo vai dando a sua cara para a campanha do partido. É um movimento gradual e que deixa exposto um dos tantos dilemas da uma candidatura que tenta se equilibrar entre o petismo, especialmente a vertente pós-impeachment e pós Lava Jato, e o pragmatismo. É uma candidatura que sabe ser inevitável promover em algum momento um aceno ao centro, mas que dosa esse flerte para não desagradar a base do partido. E o mais importante: um movimento cujo principal avalista é o ex-presidente Lula.

"Haddad tem um grande desafio que é diminuir a resistência [ao PT]. Qualquer simulação mostra que a disputa no segundo turno tende a ser parelha. E a gente não sabe ainda muito claramente qual o tamanho do sentimento antipetista no eleitorado", pontua Teixeira, da FGV. "A única forma de enfrentar um pouco essa rejeição é ir contra algumas teses do PT."

Teixeira argumenta que a moderação do discurso é inevitável até porque o provável adversário, até agora, do petista no segundo turno, Jair Bolsonaro, tem feito o mesmo, ainda que de forma desorganizada e tímida. Os aliados do capitão reformado do Exército debateram nos últimos dias o lançamento de um manifesto em que ele se comprometeria com princípios democráticos. O plano parece ter sido paralisado por divergências internas na campanha do PSL, mas Bolsonaro, na medida em que se recupera, tem recorrido ao Twitter para, entre outros posts, desautorizar falas polêmicas de seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, ou pregar a "união do país".

Venezuela e economia
Já em meados agosto, antes mesmo de ser alçado à cabeça de chapa, Haddad vinha dando declarações que fazem jus ao ao seu apelido de "o mais tucano dos petistas". Numa sabatina promovida pelo site Catraca Livre, por exemplo, o petista afirmou que o regime venezuelano não pode ser definido como uma democracia. "Quando se está em conflito aberto, você não pode caracterizar como uma democracia", disse na ocasião. Embora tenha ressaltado que o Brasil deveria assumir uma postura de não intervenção e de mediação da crise através de organismos multilaterais, a fala marca um distanciamento claro da retórica petista, alinhada na defesa do Governo de Nicolás Maduro.

Mas é na economia que se espera um gesto mais enfático de Haddad ao centro do espectro político. Alguns sinais já apareceram, como quando o presidenciável desautorizou em público Marcio Pochmann. Um dos principais assessores econômicos do PT, Pochmann é tido como radical demais pelo mercado financeiro. Novamente há a preocupação com a dosagem. Ao menos até o primeiro turno, a estratégia é garantir os votos mais alinhados ao petismo, evitando assim qualquer ação explícita que possa ser usada por adversários para acusar o ex-prefeito de São Paulo de estar gestando um "estelionato eleitoral."

Numa eventual segunda etapa, aí sim haverá pontes mais claras com o mercado, embora, ao menos de momento, esteja descartada a reedição de uma nova versão da Carta ao Povo Brasileiro —documento pelo qual Lula, na eleição de 2002, se comprometeu com princípios da estabilidade econômica e acalmou investidores. "Não nos interessa antecipar esse debate porque nós administramos o país por mais de dez anos, período em que não houve nenhum susto e em que nós oferecemos segurança jurídica e previsibilidade", diz um aliado de Haddad. Sem citar, obviamente, as medidas econômicas mais heterodoxas do Governo Dilma, como o congelamento de tarifas públicas para segurar a inflação.

Por enquanto, Haddad tem mantido encontros privados com interlocutores do mercado. No início da semana, chamou para um café da manhã em sua casa o economista-chefe da corretora de valores Spinelli, Andre Perfeito. De acordo com o economista, Haddad lhe disse que faria um ajuste fiscal uma vez no governo e que promoveria uma reforma da Previdência. Não entrou em detalhes, deixando no ar se por reforma ele entendia apenas os pontos já mencionados em seu plano de governo: combate a privilégios e convergência dos sistemas previdenciários da União, Estados e municípios com o regime geral.

Nesse quesito Haddad sofre ainda desconfianças do mercado pela falta de um economista em sua campanha que tenha recebido a delegação clara do candidato para formular a política econômica. Geraldo Alckmin tem Pérsio Arida; Bolsonaro seu guru, Paulo Guedes; Ciro Gomes escalou o economista Mauro Benevides Filho. Caso passe para o segundo turno, os assessores de Haddad dizem que ele deve dar atenção especial às diretrizes da política econômica, sinalizando mais claramente qual o perfil de economista que deseja para o ministério da Fazenda. 

Num partido político que tem o seu principal líder preso e que vive perspectivas reais hoje de voltar ao poder, os conflitos internos que podem minar a candidatura de Haddad tendem a ser apaziguados, ao menos até a conclusão do processo eleitoral. Mas é certo que, em caso de vitória do PT, eles vão ressurgir tão logo o ex-prefeito de São Paulo sente na cadeira presidencial. Não há dúvidas de que haverá pressões internas para que seja dado um indulto a Lula. Políticas econômicas consideradas ortodoxas demais tampouco passarão sem críticas no partido. Fundador do PT e liderança incontestável nos quadros partidários, Lula conseguia mediar essas disputas internas com maestria. Se for presidente, Haddad vai depender muito da ajuda do seu padrinho político para fazer o mesmo.  

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