Segundo turno contrapõe dois projetos e visões opostas de Brasil: um extremista de direita e um social-democrata de um partido desgastado. Independente do vencedor, resultado não deve marcar fim da crise política.
Em um clima de acirramento nunca visto antes desde a redemocratização, os brasileiros voltam às urnas neste domingo (28/10) para escolher um novo presidente da República. Na disputa estão dois candidatos com projetos e visões opostos: o ex-capitão de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) e o ex-prefeito social-democrata Fernando Haddad (PT).
Seja qual for o desfecho do pleito, parece certo que o Brasil não deve deixar tão cedo a crise política que persiste há quatro anos, desde a vitória apertada de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves e a deflagração da Operação Lava Jato, que sacudiu as velhas estruturas políticas do país.
Bolsonaro, um deputado que nas últimas décadas teve uma carreira inexpressiva, mas que soube aproveitar a onda antissistema que contagiou boa parte do eleitorado, chega à reta final da eleição embalado pela liderança ao final do primeiro turno e expressivas vitórias do seu partido, o PSL. A legenda saiu da obscuridade para se transformar na segunda maior força da Câmara Federal, marcando a entrada em peso da extrema direita no Congresso.
Nos últimos 30 anos, nunca um candidato como Bolsonaro havia chegado tão longe. Com ideias autoritárias, ele refutou as expectativas de que adotaria uma postura mais moderada no segundo turno. Pelo contrário, continuou a expressar ódio aberto aos adversários e à imprensa e a semear boatos sobre a legitimidade do processo eleitoral, além de ter sido beneficiado por uma indústria de mentiras que tomou de assalto as redes sociais ao longo do pleito.
Sua campanha tem tido por enquanto uma estratégia bem-sucedida. Na última pesquisa Datafolha, ele aparecia como o favorito para vencer o pleito, apesar de ter perdido parte da vantagem sobre Haddad nos últimos dias. Mesmo se não vencer, Bolsonaro já mudou a forma de fazer política no país, onde velhas estruturas partidárias deram lugar a campanhas mais enxutas. O discurso conciliatório e de inclusão perdeu espaço para um conteúdo mais radical e virulento.
Já Haddad conduziu uma das campanhas mais heterodoxas das eleições presidenciais brasileiras: é o substituto de um ex-presidente que permanece preso e vem influenciando a campanha de dentro da prisão. Seu partido, o PT, ainda conseguiu escapar no primeiro turno da onda antissistema que atingiu outras siglas tradicionais, como o MDB e o PSDB, mas os petistas chegam ao segundo turno com a difícil missão de romper um tabu histórico: nunca houve uma virada entre primeiro e segundo turnos.
Haddad ainda carrega o peso dos casos de corrupção que atingiram seu partido e do passivo da derrocada econômica do governo Dilma Rouseff. Ele ainda teve que lidar com o ressentimento de outros adversários no primeiro turno que poderiam ser potenciais aliados. Apesar da desvantagem, o partido não jogou a toalha e conseguiu diminuir em alguns pontos a desvantagem nas pesquisas, apelando para que o eleitorado não embarque em uma aventura com o autoritário Bolsonaro.
Um desses candidatos vai governar o país pelos próximos quatro anos. Há pouco mais de um ano, existia a expectativa de que o pleito de 2018 poderia ser uma oportunidade de recomeço para estancar a crise política e institucional e deixar o moribundo e impopular governo de Michel Temer para trás.
No entanto, a própria campanha já refletiu a persistência da crise e novos desdobramentos preocupantes no país. Ainda na fase pré-eleitoral, o candidato que aparecia na liderança das pesquisas foi preso e teve o registro eleitoral negado. Já na campanha, surgiram dezenas de relatos de casos de violência política. Jornalistas que publicaram reportagens críticas a Bolsonaro foram assediados e ameaçados. O próprio candidato do PSL foi alvo de um ataque a faca em setembro. Diariamente, jornais e sites tiveram que publicar textos para refutar mentiras grosseiras que foram disseminadas em redes sociais.
Mesmo favorito, Bolsonaro já vem construindo uma narrativa em caso de derrota: apontar que as urnas eletrônicas foram manipuladas, e a eleição, fraudada. Já os petistas devem insistir em pedidos de cassação da chapa liderada pelo PSL por suspeita de envolvimento em um esquema de caixa 2 para financiar uma rede de fake news em redes sociais.
A campanha também mostrou o potencial de criação de crises em um eventual governo Bolsonaro. No último fim de semana, foi revelado um vídeo em que um dos filhos do candidato fala em fechar o Supremo Tribunal Federal. O próprio Bolsonaro já havia expressado anteriormente a intenção de aumentar o número de vagas na corte - um plano que tem semelhanças com ações tomadas pelo governo chavista da Venezuela.
No último domingo, o candidato também fez um novo discurso ameaçador contra os adversários, afirmando que "ou vão para fora ou para a cadeia" e que "esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria, essa pátria é nossa". Além disso, seus planos para a área econômica ainda permanecem vagos. Ele nunca exerceu um cargo executivo e não tem experiência em negociações políticas.
Já Haddad, apesar de ter direcionado sua campanha ainda mais para o centro para se contrapôr ao autoritarismo do ex-capitão, não lidou de modo definitivo com as contradições e problemas do PT. No segundo turno, a campanha petista diminuiu a associação com Lula, sua liderança máxima, mas nunca deixou claro qual deve ser o papel do ex-presidente em um eventual governo Haddad e como será a postura do partido em relação à condenação.
Uma pesquisa divulgada em fevereiro apontou que 53% dos brasileiros são favoráveis à prisão de Lula. Segundo o cientista político Oliver Stuenkel, da FGV-SP, em um eventual governo Haddad, "qualquer ação para libertar o ex-presidente deve complicar os esforços para superar a polarização e focar em necessidades concretas".
O novo presidente ainda terá que lidar com um cenário político totalmente novo. Ainda no primeiro turno, o país viu a derrocada de antigas forças políticas como o PSDB e o MDB. Tomados por uma onda antissistema, os eleitores ainda puniram dezenas de antigos figurões - muitos deles suspeitos de corrupção - que dominaram o Congresso por décadas.
Segundo o cientista político Carlos Mello, do Insper, independente do vencedor, o resultado tem tudo para manter o país em estado de tensão. "A realidade é que quem vier a vencer a disputa não vencerá de lavada, não será massacrante, nem consagrador. A quantidade de indivíduos contrariados com o resultado será enorme, nada desprezível. Improvável que se resignem imediatamente com o resultado. O país sairá dividido", diz.