BRASÍLIA (Reuters) - O homem que provavelmente será o próximo ministro da Defesa do Brasil recebeu dois repórteres diante da porta, e depois os dispensou educadamente.
“Peço desculpas”, disse ele antes de voltar a um salão de conferências lotado de um hotel de Brasília. “Sob ordens do Bolsonaro, é silêncio de rádio total até depois das eleições.”
A figura grisalha e aristocrática de 70 anos era Augusto Heleno Ribeiro Pereira, general de quatro estrelas da reserva do Exército. Em breve o mundo poderá ouvir muito mais de Heleno e de uma série de militares de alta patente da reserva que poderão ajudar a conduzir a quarta maior democracia do mundo. Sua ascensão tem deixado muitos brasileiros temerosos dos dias em que as Forças Armadas davam as cartas no país.
Heleno é o decano de um pequeno grupo de generais da reserva que orquestraram discretamente o crescimento do candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL), favorito nas pesquisas para vencer o segundo turno no domingo diante do petista Fernando Haddad. Bolsonaro, um capitão da reserva do Exército de extrema-direita combativo, prometeu reprimir o crime, acabar com a corrupção e varrer tudo que se colocar em seu caminho.
A maior parte de seu círculo íntimo manteve laços estreitos com a atual liderança militar —por exemplo Hamilton Mourão, general de quatro estrelas e vice na chapa de Bolsonaro que passou para a reserva em fevereiro.
De forma geral, militares de alto escalão vêm mantendo distância da política desde o final da ditadura em 1985, mas os níveis alarmantes dos crimes nas ruas e a corrupção enraizada no governo deram a líderes militares a coragem de se envolver no processo eleitoral.
Enquanto alguns brasileiros se preocupam com o que veem como uma intromissão dos militares em um espaço civil sagrado, outros acolhem a mudança.
“Há uma espécie de conscientização de que os militares são capazes de colocar ordem na casa”, disse Heleno em entrevista em maio deste ano. “Mas (as Forças Armadas) têm plena consciência de que esse (intervenção) não é o caminho. O caminho são as eleições.”
Durante mais de um ano, Heleno e cerca de uma dúzia de outros generais da reserva e acadêmicos conservadores, conhecidos como o Grupo de Brasília, se reuniram semanalmente em um salão de conferências sem identificação do Brasília Imperial Hotel, que fica cerca de 3 quilômetros a oeste do palácio presidencial.
Ao redor de uma mesa negra repleta de canecas de café de porcelana manchadas e rodeada por 14 cadeiras cor de vinho, eles elaboraram estratégias e tentaram aparar as arestas de Bolsonaro, candidato conhecido por seus rompantes homofóbicos, misóginos e racistas.
Em entrevistas recentes à Reuters, membros do Grupo de Brasília passaram ao largo de minúcias a respeito de como um possível governo Bolsonaro atuará.
Ao invés disso, eles voltaram com insistência ao tema da lei e da ordem. Quase 64 mil pessoas foram assassinadas no Brasil no ano passado, a maior cifra do mundo, e a nação está lutando para se livrar do rescaldo de um escândalo de corrupção épico que implicou as esferas mais altas do governo e do empresariado.
Muitos brasileiros estão empolgados com a perspectiva de ver Bolsonaro mostrando pulso firme. Ele recebeu mais de 49 milhões de votos no primeiro turno de 7 de outubro, perto da maioria que o teria poupado de um confronto direto com Haddad.
“Não tenho medo de militares no governo, não. Acha que estou preocupado com militares? A criminalidade no Brasil é muito grande. Ter os militares no controle seria uma boa opção, para ter mais segurança. Eu acharia até bom, seria tranquilo”, disse Kenyson Santos, de 24 anos, que trabalha no comércio varejista da capital do país.
Mas muitos outros estão alarmados com o possível retrocesso para um controle autoritário, mesmo que venha pelas urnas, e não com tanques nas ruas.
Michael Albertus, cientista político da Universidade de Chicago cuja pesquisa se concentrou na transição brasileira da ditadura para a democracia, disse que o país “está em um momento perigoso”.
“O governo (Bolsonaro) daria aos militares carta branca para fazer todo tipo de coisas”, disse Albertus. “Eles serão muito mais poderosos do que nunca desde que o Brasil fez a transição para uma democracia.”
ORDEM E PROGRESSO?
Bolsonaro serviu no Congresso durante três décadas sem grande destaque. Repudiado com frequência por ser visto como um implicante, ele elogiou muitas vezes a ditadura militar.
Mas acontecimentos explosivos dos últimos cinco anos abriram caminho para sua ascensão.
Em 2013 milhões de pessoas foram às ruas em uma série de manifestações em grande parte espontâneos para protestarem contra os impostos altos, a má qualidade dos serviços públicos e a classe política corrupta responsável por essa realidade.
Uma eleição presidencial tumultuada no ano seguinte dividiu o Brasil. A presidente Dilma Rousseff se reelegeu derrotando Aécio Neves, e dois anos mais tarde sofreu um impeachment, sendo afastada do cargo por manipular as contas públicas. Ela e seus apoiadores denunciaram um golpe. Enquanto isso a operação Lava Jato apanhou dezenas de líderes empresariais e políticos, e uma recessão cruel tomou conta da economia.
Em meio ao caos resultante, Bolsonaro, isento de acusações de corrupção, viu uma oportunidade de se posicionar como um candidato limpo capaz de governar o Brasil com uma disciplina rígida, segundo integrantes do Grupo de Brasília.
Bolsonaro procurou primeiro Oswaldo Ferreira, general de quatro estrelas da reserva do Exército e ex-comandante do corpo de engenharia da corporação. Os dois homens treinaram juntos décadas antes na Academia Militar das Agulhas Negras.
Ferreira, por sua vez, recrutou Heleno, seu mentor militar, que em 2004 ajudou a reprimir gangues de criminosos no Haiti como primeiro comandante de uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). A partir daí sua rede se ampliou.
Bolsonaro não é o único ex-militar se aventurando na política. Um de seus confidentes, o general da reserva Paulo Chagas, disse que também se animou a concorrer a um cargo público por medo de ver o Brasil desmoronar —mas não triunfou na eleição para governador de Brasília.
Mesmo assim ele prevê a vitória de Bolsonaro, e muito sofrimento à frente para delinquentes e políticos corruptos.
Bolsonaro defende mais liberdade para a polícia atirar em supostos criminosos e quer que os militares ajudem a expurgar as gangues de traficantes que controlam as favelas das maiores cidades do país.
O general falou que, ao contrário da época do regime militar, onde as pessoas podiam ir à praia e não havia arrastão, hoje Brasil é “o país da impunidade”, onde deliquentes são soltos.
Para ele, a esquerda tentou demonizar o regime militar, e os jovens que não viveram essa época pensam que “a volta dos militares, seja por que meio for, é uma volta do terror de Estado”.
“Mas o terror de Estado é contra os bandidos e não contra a sociedade. Hoje quem tem que viver apavorado são os bandidos,” disse Chagas.
Políticos corruptos também estão na alça de mira.
“Com certeza a maior pavor dessa gente é o Bolsonaro assumir o país e fazer uma investigação rigorosa para descobrir as entranhas da corrupção e muito mais gente... vai ter que prestar contas ao país pelo mal que causou”, disse Chagas.
Ele acusou o PT de quebrar a Petrobras e acumular dinheiro em contas fora do país com projetos como o porto de Mariel em Cuba, onde “se gastou muito mais do que custou.”
O discurso duro já está causando arrepios.
Mais de uma dúzia de autoridades do governo e membros de grupos da sociedade civil que conversaram com a Reuters disseram estar ouvindo ecos da ditadura.
“Eu vivi na ditadura. Dentro de mim, no clima do país, começo a sentir a mesma sensação”, disse um funcionário de alto escalão do Executivo, que não quis ser identificado por medo de represálias de um provável governo Bolsonaro. “É a pior situação possível que eu podia imaginar.”
ORDEM NA CASA
De volta ao Imperial Hotel, dois outros membros do Grupo de Brasília —Ferreira e Aléssio Ribeiro Souto, possível novo ministro da Educação— concordaram em conversar com a Reuters do lado de fora de sua Sala de Guerra.
Vestindo jeans bem passados e camisas de gola engomadas, os homens foram corteses e formais, um contraste acentuado com a gíria coloquial e muitas vezes ofensiva de Bolsonaro.
Eles e outros colegas do grupo têm trabalhado para moderar o candidato intempestivo, aconselhando-o a falar calmamente em entrevistas à imprensa.
Ferreira e Souto enfatizaram que são simples técnicos atuando sob as ordens do presidenciável. Eles disseram que não estão envolvidos no dia a dia das operações de campanha, mas em determinar como executar a visão estratégica que estão moldando se ele se eleger.
Ferreira, que foi para a reserva em 2017, passou a carreira construindo estradas e pontes para o Exército, principalmente na Floresta Amazônica, abrindo-a para o desenvolvimento. Ele afirma que uma prioridade de uma eventual gestão Bolsonaro seria terminar centenas de projetos que os últimos governos não foram capazes de finalizar.
Souto é um general de três estrelas da reserva que supervisionou o centro de tecnologia do Exército. Ele disse que defenderia que o criacionismo fosse ensinado nas escolas do Brasil ao lado da teoria da evolução, parte do plano de Bolsonaro para reformular o ensino para agradar sua grande base de conservadores religiosos.
Souto também compartilha da visão de Bolsonaro segundo a qual os livros de história do Brasil deveriam classificar o período de 1964 a 1985 como um movimento para combater o comunismo, ao invés de uma ditadura.
Desta vez a mudança virá através dos votos, não de um golpe militar, prometeu Souto.
“Nós acreditamos que o objetivo fundamental do ser humano é a paz e a harmonia. O instrumento da obtenção da paz e harmonia é a democracia. E os fundamentos da democracia são a liberdade, a verdade, a coragem e a ética.”