BRASÍLIA (Reuters) - A reação de diplomatas que atuam no Itamaraty foi a pior possível à indicação de Ernesto Araújo como novo ministro das Relações Exteriores, com alguns deles avaliando que houve uma quebra de hierarquia e um desrespeito à instituição, disseram fontes ouvidas pela Reuters.
Promovido a ministro de primeira classe —o nome técnico do topo da carreira, o chamado embaixador— apenas no primeiro semestre deste ano, Araújo é considerado um diplomata excessivamente júnior para o cargo, no que foi visto como uma quebra de hierarquia sem precedentes no Itamaraty.
“É como se o presidente eleito tivesse indicado um general três estrelas para comandar a Defesa ou o Estado-Maior das Forças Armadas”, comparou uma fonte com conhecimento interno do Itamaraty, lembrando que, como militar, Jair Bolsonaro jamais cometeria um erro desses.
“Nunca um chefe de departamento, um cargo de terceiro escalão, foi alçado a chanceler”, disse uma segunda fonte. “É uma pessoa de perfil bem baixo. É de se questionar que tipo de liderança ele poderá ter.”
O nome de Araújo, de 51 anos, chegou a surgir como possível chanceler ainda durante a campanha, depois de vir à tona que o diplomata —hoje chefe do Departamento de Estados Unidos e Canadá, um cargo de terceiro escalão no Itamaraty— criou um blog em que fazia campanha aberta para Bolsonaro. Antes disso, Araújo não tinha relação com o presidente eleito, mas por suas manifestações se aproximou dos filhos de Bolsonaro.
Parte da equipe do presidente eleito, especialmente o futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva do Exército Augusto Heleno, e o vice-presidente eleito, general da reserva Hamilton Mourão, defendiam outros nomes. O embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima era o preferido de Heleno, enquanto Mourão apontou publicamente o secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão, como uma alternativa.
Acabou vencendo, no entanto, a postura ideológica de Araújo, apesar de Bolsonaro bater constantemente na tecla que quer uma política externa sem “viés ideológico”.
Diplomatas ouvidos pela Reuters apontam as manifestações do futuro chanceler como um dos principais problemas no comando da instituição, para além do óbvio fato de que, recém-promovido, sem nunca ter chefiado uma embaixada no exterior ou ter tido um cargo de relevância na estrutura diplomática, Araújo não teria a necessária experiência para o cargo.
“Araújo fez a fama dele junto à equipe do Bolsonaro em cima de um artigo de política externa extremamente controverso, em que ele faz uma defesa apaixonada do presidente norte-americano, Donald Trump. Que capacidade de ação terá a diplomacia brasileira com ele à frente?”, disse uma das fontes. “Aos olhos do mundo, a política externa brasileira passará a ser comandada por um discípulo do trumpismo.”
Uma outra fonte, apesar de menos incisiva, vai na mesma linha.
“Ele deixa o Itamaraty refém de uma doutrina que acaba sendo um pouco apaixonada demais para os nosso padrão. Há um discurso de alinhamento automático (com os Estados Unidos) contrário à nossa tradição e aos nossos interesses”, explicou.
Em seus textos no blog, Araújo criticava a esquerda e chegou a fazer um “poema” em que chamava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “poste” do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Também chamava o PT de Partido Terrorista e dizia que lutar contra um governo petista seria “lutar contra o mal”.
Em um artigo de 27 páginas publicado na revista Cadernos de Política Externa, da Fundação Alexandre Gusmão do Itamaraty, Araújo faz uma longa defesa de Trump. Para o futuro chanceler, o presidente dos EUA salva a civilização ocidental do “islamismo radical” e do “marxismo cultural globalista” e pode salvar o futuro do Ocidente.
O futuro chanceler serviu em Washington com o ex-chanceler Mauro Vieira, e voltou ao Brasil no início do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando Vieira foi chamado para assumir o Itamaraty. Trabalhou no gabinete como auxiliar até a saída de Vieira com o impeachment de Dilma. Desde então, assumiu o cargo de chefe do Departamento de Estados Unidos e Canadá —que, apesar do nome, não lida com os temas centrais em relação aos países do Norte, como comércio—, um posto normalmente ocupado por um ministro.
Foi promovido a embaixador no primeiro semestre deste ano, mas continuou no mesmo posto por falta de vagas em cargos para embaixador.
Em breve declaração em Brasília, após ter sido anunciado por Bolsonaro como futuro chanceler, Araújo disse que o Brasil vive “um momento extraordinário” com a eleição do capitão da reserva do Exército ao Palácio do Planalto.
“Antes de tudo, (principal linha de trabalho é) garantir que esse momento extraordinário que o Brasil está vivendo com a eleição do presidente Bolsonaro se traduza dentro do Itamaraty. Uma política efetiva, uma política em função do interesse nacional, uma política de um Brasil atuante, de um Brasil feliz, de um Brasil próspero”, disse o futuro chanceler.