BELO HORIZONTE (Reuters) - O rompimento da barragem da Vale na última sexta-feira pode ter sido causado por liquefação, o que já ocorreu em outros grandes desastres no mundo em estruturas com o mesmo método de construção de Brumadinho (MG), com tecnologia de alteamento a montante, afirmou à Reuters o subsecretário de Regularização Ambiental, da secretaria do meio ambiente do Estado, Hidelbrando Neto.
No entanto, seria preciso entender por que a liquefação teria acontecido, afirmou o subsecretário, uma vez que dados entregues pela Vale mostram que equipamentos chamados piezômetros não detectaram movimentação de água interna na estrutura.
Neto lembrou que a liquefação, com o maior acúmulo de água na estrutura, foi o motivo apontado para o rompimento de barragem da Samarco (joint venture da Vale com BHP Billiton) em novembro de 2015, que utilizava o mesmo método de alteamento.
A conclusão no caso Samarco foi publicada por autoridades e endossada mais tarde por investigação contratada pelas próprias mineradoras, que apontou causas técnicas para a liquefação, mas não informou culpados.
“Os dois desastres que ocorreram foram com barragens a montante e, nos dois casos, pelo menos tudo indica, que é a informação que a gente está recebendo aqui, é que foi por liquefação”, afirmou Neto, pontuando que a liquefação é problema mais comum em barragens alteadas pelo método a montante, pelo fato dos alteamentos serem feitos em cima do rejeito drenado.
“Então eu acredito que a União vai caminhar para o caminho de parar, proibir, essas barragens a montante, que é o que o Estado fez”, acrescentou ele, comentando que o governo de Minas Gerais interrompeu qualquer licenciamento envolvendo qualquer tipo de barragem até que o país reveja sua regulação, além de ter proibido a aplicação de tecnologia a montante, em decreto de 2016.
A Vale disse que “as causas do rompimento estão sendo investigadas e serão comunicadas com transparência e a maior agilidade possível”.
A autoridade destacou ainda que alguns fatores que, por vezes, podem precipitar problemas em barragens não foram verificados.
“Não teve tremor, não teve chuva, que são gatilhos que normalmente tem. Então a pergunta que todo mundo faz é: o que aconteceu? O que causou? E para descobrir isso tem que ter os estudos”, afirmou Neto.
O rompimento da barragem da Vale na sexta-feira deixou pelo menos 110 mortos, dos quais 71 identificados, e mais de 200 desaparecidos.
O sistema a montante custa cerca de metade de outras barragens, mas apresenta maior risco de segurança, porque suas paredes são construídas sobre uma base de resíduos, em vez de em material externo ou em terra firme.
Uma alternativa é o método a jusante, quando as paredes vão sendo construídas em terra firme, além de outras tecnologias, como a disposição do rejeito de maneira seca, em cavas ou em pilhas.
Com cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, a estrutura que atendia a mina Córrego do Feijão liberou uma montanha de lama que engoliu área administrativa da companhia e refeitório, na hora do almoço, com centenas de empregados da empresa. Atingiu ainda comunidades, pousada, matas e rios da região.
Atualmente, há 50 barragens a montante em Minas Gerais, sendo 27 em operação e 23 paralisadas, incluindo a de Brumadinho.
REVISÃO DE PARÂMETRO
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais é a responsável por licenciar as barragens no Estado.
Mas Neto frisou que a competência para fiscalizar as barragens é federal e que, pelas declarações públicas já apresentadas pelo governo e pela Agência Nacional de Mineração (ANM), deverá haver uma mudança na legislação.
As mudanças, segundo ele, deveriam ocorrer principalmente em questões relacionadas aos parâmetros técnicos que indicam que a barragem está estável.
“Porque quando a gente pega os dois desastres, e que nos dois casos tinha laudos garantindo a estabilidade, então tem algum parâmetro técnico que tem que ser revisto”, disse Neto.
“A ANM já soltou um comunicado dizendo que vão reforçar a fiscalização e que vão começar pela de barragens a montante que estão sem garantia de estabilidade”, afirmou.
Neto ponderou que, apesar de a competência de fiscalização da segurança das barragens ser federal, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado já havia tomado medidas para trazer maior rigor, como a proibição de que houvesse novos processos de licenciamentos de alteamento com a tecnologia a montante desde 2016.
Além disso, também participou de resolução estadual que trouxe auditorias técnicas extraordinárias de segurança para os barramentos alteados a montante, dentre outras medidas.
Dessa forma, Neto acredita que a regulação no entorno desse tipo de barragem ficou mais rigorosa após o desastre da Samarco, mas os parâmetros técnicos de avaliação não foram alterados.
“O que aconteceu mais recentemente foi uma mudança de gestão mesmo, a análise técnica continua a mesma, tudo igual... O órgão ficou mais eficiente, mas seguindo as mesmas normas e parâmetros técnicos”, frisou.
“Tem que rever esses parâmetros de segurança, rever essas normas federais. Para garantir que isso não ocorra mais. O Estado de Minas já está mandando tirar todas, mas tem barragem a montante no Brasil inteiro. Então tem que ser uma mudança federal.”
A Vale informou recentemente que tem dez barragens de mineração com método de alteamento a montante, todas elas fora de operação, e anunciou investimentos de 5 bilhões de reais para acelerar o descomissionamento dessas estruturas.
Nesta semana a empresa disse que em 2016, logo após o evento da Samarco, determinou o descomissionamento das 19 barragens a montante existentes à época para minério de ferro no Brasil.
Ao longo dos últimos anos, todas tornaram-se inativas e mantiveram os seus laudos de estabilidade emitidos por empresas especializadas e independentes, segundo a Vale.
Para acelerar o processo de descomissionamento de barragens, a companhia disse que terá de parar a produção de minério de ferro nas áreas próximas das unidades situadas em Minas Gerais, com impacto de 40 milhões de toneladas de minério de ferro, que será parcialmente compensado pelo aumento de produção em outros sistemas produtivos da companhia.
Por Marta Nogueira