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Engajamento ético na moda: mudança de paradigma ou estratégia de marketing?


Stella McCartney se torna conselheira especial sobre assuntos ligados à moda ética junto ao comitê executivo do grupo LVMHREUTERS/Stephane Mahe

A marca Stella McCartney anunciou esta semana sua entrada no grupo LVMH. A notícia, vista como um sinal de que o líder mundial do luxo pretende investir em uma moda mais “ética”, aparece como a ponta do iceberg de uma tendência que vem tomando conta dessa indústria, frequentemente alfinetada por sua dimensão poluente e pelas más condições de trabalho em suas fábricas. Mas será que é suficiente?

Desde que foi fundada em 2001, a marca da filha de Paul McCartney se coloca como uma exceção no mundo da moda de luxo. A estilista não usa couro, plumas ou peles, e prefere materiais reciclados ou, pelo menos, que respeitem o meio ambiente. Esse engajamento quase militante teria sido “um fator decisivo” para a assinatura do contrato com o LVMH, de acordo com o presidente do grupo, Bernard Arnault.

“Isso vai reforçar o engajamento do grupo em termos de desenvolvimento sustentável”, disse o executivo, que foi apontado na mesma semana como o segundo homem mais rico do mundo. Stella McCartney, que continua à frente do estilo de sua marca, também terá um papel de conselheira especial sobre assuntos ligados à moda ética junto ao comitê executivo do grupo, que é proprietário de grifes como Louis Vuitton, Dior ou Fendi – todas conhecidas pelo sucesso de seus acessórios em couro ou peles.

Jovens estilistas e empresários se engajam

Essa não é a primeira vez que o líder mundial do luxo investe em questões de desenvolvimento sustentável. Mas a aproximação com a estilista britânica coincide com um momento de aceleração dessa conscientização, tanto do lado dos grandes grupos – como Kering, concorrente da LVMH – como dos jovens empresários.

Berlim acaba de acolher o salão profissional Neonyt, um evento lançado por uma organização internacional que mistura moda, desenvolvimento sustentável e inovação. Já Paris se prepara para a abertura, até 2021, da Caserne, uma incubadora de marcas de moda responsável que ajudará jovens a abrirem seus negócios respeitando questões éticas e ambientais.

Desfile organizado em Berlim em julho de 2019 durante o salão Neonyt.REUTERS/Annegret Hilse

O mesmo discurso é ouvido por quem cuida da formação das novas gerações de estilistas, pois a questão da moda ética é cada vez mais ensinada nas escolas. Os jovens designers “são conscientes de que a moda deve evoluir de uma economia linear para uma economia circular, e esse novo modelo abre novas portas para a criatividade”, explica Valérie Robert, consultora e coordenadora pedagógica do programa Fashion Business da filial parisiense do Istituto Marangoni.

“A integração do desenvolvimento sustentável em uma marca é um pré-requisito para durar e atingir um público-alvo mais jovem”, insiste a consultora, especialista em temas ligados ao desenvolvimento sustentável. Ela lembra, aliás, que matérias como “moda circular” ou “análise do ciclo de vida da roupa” já fazem parte do currículo em sua escola.

Esse movimento também existe no universo acadêmico, onde são cada vez mais numerosos os estudos universitários sobre o assunto, principalmente no mundo anglo-saxão. Já na França, o Université PSL prepara um programa de formação sobre “moda durável”, enquanto o Instituto Francês da Moda (IFM) não esconde a sua ambição de formar em breve, graças a seu novo doutorado, os primeiros “doutores em moda ética” do país que criou a alta-costura.

Efeito Rana Plaza atinge até o fast fashion

Catástrofes como a queda do Rana Plaza em Bangladesh em 2013, documentários como The True Cost, ou ainda iniciativas como Fashion Revolution chamaram a atenção para a questão dos “efeitos colaterais” da moda, principalmente na chamada fast fashion. Diante desse contexto, até mesmo os que produzem roupa barata começam a se mobilizar.





Esta semana, o grupo Inditex anunciou que sua prioridade a partir de agora é investir na inovação e na moda “durável”. Até 2025, todas as coleções da Zara, sua principal marca, serão fabricadas a partir de tecidos que respeitem critérios de desenvolvimento sustentável, prometeu o então presidente Pablo Isla durante a assembleia geral do gigante da fast fashion.

Ambicioso, o executivo garantiu ainda que 80% da energia elétrica consumida nas fábricas e lojas do grupo virá de “fontes renováveis” e que as instalações “não produzirão nenhum dejeto”. Uma declaração que segue a linha do programa de reciclagem lançado pelo grupo, já em 2015.

Aliás, a empresa espanhola segue os passos dos concorrentes Gap e H&M. Os dois gigantes das roupas a preço acessível fazem parte desde o ano passado do programa Make Fashion Circular, uma iniciativa que ganhou forma após a publicação de um estudo que apontava uma triste realidade: apenas 1% das roupas do planeta são recicladas.

Risco do Greenwashing

No entanto, esses projetos são vistos com ceticismo por muitos, que temem a instrumentalização do tema. Afinal, há sempre o risco do chamado greenwashing, esse anglicismo popularizado nos anos 1990, que designa o uso de projetos ecologicamente responsáveis como ferramenta de comunicação, baseados em uma retórica de sensibilidade ecológica ou ética que nem sempre é genuína.

Sincero ou não, esse tipo de iniciativa também deve ultrapassar o simples discurso ou a estratégia da coleção cápsula que propõe apenas alguns produtos “green”, como lembra Valérie Robert. “Uma verdadeira abordagem responsável tem que ser pensada com uma visão a longo prazo. Uma marca, cujo modelo econômico é baseado na produção em grande quantidade e a baixo custo, terá certamente um impacto ambiental e social consequente. E esses impactos não poderão ser compensados apenas com algumas coleções ecologicamente responsáveis”, finaliza.

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