Melhor do planeta pela quinta vez consecutiva, ela recusa propostas para jogar fora do Brasil e se dedica a treinar novas gerações: "Vou ficar". Por Aline Torres
O ano era 2005, o mesmo em que a CBFS (Confederação Brasileira de Futsal) criou a primeira seleção feminina da modalidade, que de largada disputou o Campeonato Sul-Americano e venceu —nesta e em todas outras edições. Quatorze anos depois, Amandinha é tricampeã mundial da categoria onde a seleção brasileira venceu todos os seis campeonatos realizados até hoje. A atleta tem 40 títulos e foi escolhida pela quinta vez consecutiva a melhor jogadora de futsal do planeta, pelo maior prêmio da modalidade, o Agla Futsal Awards. Em 23 de junho, seus impressionantes dribles no time espanhol Atlético Navalcarnero, na prorrogação, trouxeram mais um troféu, o da primeira Copa Intercontinental.
Amandinha só conseguiu chegar no topo porque André, o técnico, era um bom aliado tático. Ela pisou nas quadras porque um pouco antes de convencer os integrantes do torneio de suas qualidades, o treinador havia persuadido a pessoa mais importante: Agnaldo Crisóstomo tinha um medo danado que falassem mal da filha. Sabe como é, não era coisa de menina e outros comentários do gênero.
Agnaldo era o primeiro a gostar de uma pelada e até levava Amandinha, filha única, para assistir. Sempre que dava, ela se intrometia no jogo. Aos quatro anos, já dominava a bola, mas quando pedia para jogar, ele negava – até conversar com André. Como o técnico era respeitado, não teve dificuldade em transformar Agnaldo de opositor a torcedor inveterado.
O técnico, na vanguarda, defendia que esporte não tem gênero. Serve para educar. Seu projeto era voluntário, dava aulas para tirar a meninada do subúrbio do ócio e das más tentações das ruas. A quadra da UV8 ficava ao final da estreita rua 842, do bairro Conjunto Ceará —esquina da casa de Amandinha, a quase uma hora da orla da Praia de Iracema, famoso cartão postal de Fortaleza. Treinando ali, Amandinha se destacou numa partida intercolegial, ganhou bolsa para uma escola particular em Fortaleza, e foi jogar na seleção cearense aos 15 anos.
Nesta época, a família estava em melhores condições de vida. Boa cozinheira, a mãe Rosimeire alugou um estabelecimento para vender suas quentinhas. Antes, ela e Amandinha improvisavam uma mesinha em uma avenida de grande circulação e vendiam, a céu aberto, quitutes como vatapá, baião de dois e creme de galinha. A atleta sempre ajudou a mãe.
Com o fechamento da ala feminina na seleção cearense, Amandinha foi para Brusque, em Santa Catarina. A separação causou em Rosimeire uma depressão. Amandinha virou atleta do Barateiro Futsal. Passou a ver a família uma vez por ano. Perdeu datas comemorativas, sequer viu o irmão Arthur, 7 anos, nascer.
Na adolescência teve que suportar a distância de sua base de apoio emocional, viver em uma cidade culturalmente diferente, pelo peso que carregava de manter o futsal feminino vivo. Se não fosse a geração de atletas brasileiras que começaram a batalhar pela modalidade desde o ano 2000, é provável que a relevância do esporte tivesse evaporado.
Um caminho até a igualdade
"Nós jogamos por amor à camisa. Não sei se outros atletas fariam isso", diz Amandinha. Até hoje, as atletas brasileiras que jogam campeonatos pela confederação não recebem nada. O salário da melhor do mundo por cinco vezes consecutivas gira em torno de 5.000 por mês, conforme mostrou o Esporte Espetacular. Uma diferença abusiva considerando que o melhor jogador de futsal, coroado seis vezes com o mesmo prêmio, o Agla, recebeu no ano passado uma proposta de 50.000 euros mensais para jogar quatro temporadas no Sporting. Ricardinho, sucessor do lendário Falcão, não aceitou e continuou no Movistar Inter.
A situação não faz Amandinha arrefecer. Com propostas do exterior, ela quer mesmo é manter o esporte vivo no Brasil. Há dois anos, representa o Leoas da Serra, em Lages (SC). Ela gosta tanto do Leoas e da cidade, que está financiando um apartamento —o primeiro imóvel da família— para viver lá com os pais e o irmão. “Como a visibilidade dos homens no futsal é muito maior não podemos comparar salários. Mas penso que as futuras gerações de mulheres chegarão ao mesmo lugar. Essa crença me faz recusar propostas para jogar na Itália, na Espanha e em Portugal. Eu resolveria minha situação financeira, mas não faria nada pela modalidade no meu país. Vou ficar”, disse.
Aos 24 anos, Amandinha, com 1,58m e com a chuteira 34 que não encontra disponível em nenhuma loja profissional, se formou em fisioterapia para garantir o futuro. Seu desmesurado talento não trouxe fortuna, mas trouxe inspiração. Como André Lima, seu primeiro técnico, ela ensina meninas entre 5 e 17 anos, pequenas leoas do seu time, que não importa o que digam: meninas jogam, sim!
Reportagem: Aline Torres, de Florianópolis