O diplomata Luís Fernando Serra foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ser o novo embaixador do Brasil na França.RFI
O embaixador do Brasil na França, Luís Fernando Serra, assumiu recentemente suas funções em Paris. Com longa trajetória, ele integrou os quadros do Itamaraty em 1972 e foi embaixador do Brasil na Coreia do Sul, em Gana e Singapura, além de assumir vários postos na Europa, Ásia, América do Sul e África. Em entrevista exclusiva à RFI, ele critica a presença de ONGs na Amazônia e fala sobre os desafios diplomáticos do governo Bolsonaro.
RFI: Embaixador, o senhor sublinhou recentemente que o papel da França na Europa deve ser ampliado nos próximos anos e ressaltou também a importância das relações franco-brasileiras, que incluem uma parceria estratégica. Quais são as prioridades atuais das interações França-Brasil?
LFS: Eu digo sempre que as relações bilaterais franco-brasileiras são as mais completas que existem. Porque, além de cobrirem todos os setores normalmente cobertos entre o Brasil e um país europeu, incluem também a cooperação transfronteiriça. No caso de França e Brasil, há um grande conhecimento recíproco, uma estima mútua, uma amizade que vem de longa data.
RFI: O senhor assume o posto de embaixador num momento promissor, com a assinatura do acordo entre União Europeia e Mercosul, negociado há 20 anos. Ao mesmo tempo, temos críticas ao Brasil, quanto ao desmatamento, por exemplo. Como lidar com esse momento cheio de polêmicas?
LFS: Graças a Deus, as polêmicas dizem respeito à Noruega e à Alemanha e não à França. Eu quero lhe dizer que o Brasil soube preservar essa floresta por 500 anos e tenho a certeza de que o presidente Bolsonaro, com sua formação militar, conhece muito o bem os tesouros da Amazônia. Eu digo sempre que os militares no Brasil são os maiores defensores dessa floresta. E a formação do nosso presidente é militar, além de ter sido político por 27 anos, e ele tem plena consciência dessa biodiversidade e do valor que ela tem não só para o Brasil, mas para a humanidade.
RFI: Houve muita repercussão, no final de julho, quando o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, teve seu encontro com Jair Bolsonaro cancelado. Imagens do presidente no cabeleireiro foram veiculadas pela mídia. Isso criou um certo desconforto nas relações entre França e Brasil?
LFS: Não, eu realmente acho que houve um pouco de intriga. O encontro entre o presidente e o ministro [Jean-Yves] Le Drian estava marcado para as 15h e o “famoso” barbeiro, estava marcado para as 15h50. Além do mais, há tantos interesses em comum que eu, realmente, dou muito valor ao que disse Le Drian quando se referiu aos problemas de agenda que normalmente têm os presidentes. Nós temos uma parceria estratégica que vem de 2008, temos o Prosub [Programa de Desenvolvimento de Submarinos], que é uma coluna vertebral das relações franco-brasileiras, e acho que esse episódio não arranhou em nada essa parceria tão construtiva que temos com a França.
O presidente francês Emmanuel Macron já sinalizou que pode não ratificar o tratado de livre-comércio entre UE e Brasil se o país se retirar do Acordo de Paris Sobre o Clima. Como o senhor tem respondido a essas preocupações das autoridades europeias?
LFS: Para mim, vale o que disse o presidente Bolsonaro sobre o Acordo de Paris, antes mesmo de ser empossado como presidente: que não iria sair. Agora, o que irrita, não só o Bolsonaro, mas todos os que amam o Brasil, é a interferência de várias ONGs. São 300 ONGs na Amazônia, que tem 25 milhões de habitantes, e “zero” ONGs no Nordeste, que tem 55 milhões de habitantes. Claro que ficamos com a impressão de que tem uma agenda por trás. Ou é uma discriminação com o nordestino, que não mereceu até hoje nenhuma ONG.
RFI: A questão do Meio Ambiente atualmente é essencial para as opiniões públicas, principalmente aqui na Europa. O presidente Bolsonaro tem radicalizado o discurso, insistindo na questão da soberania brasileira da Amazônia. Desprezar o meio ambiente pode custar caro à diplomacia brasileira? O agronegócio se preocupa em não perder oportunidades?
LFS: Nós compreendemos que o meio ambiente tem um peso nas políticas europeias, mas repito que não vamos sair do Acordo de Paris. Mas as interferências das ONGs não são bem-vindas. E elas precisam saber disso e explicar aos brasileiros por que 55 milhões de nordestinos não mereceram nenhuma ONG. Tem índio na Amazônia que não fala português, que fala sueco, norueguês. [...] Quero esclarecer que nossos agricultores sabem que o consumidor europeu gosta de um produto verde. Então, é evidente que é contra o negócio desses agricultores produzir objetos [sic], como carne e leite, que não serão comprados pois foram produzidos em áreas desmatadas. Nós temos uma legislação rígida sobre o assunto. Fora da Amazônia, 20% de uma propriedade rural tem que ser consagrada à preservação das florestas primárias. E os agricultores assumem esse ônus de conservar sua parcela de propriedade que não produz, mas eles sabem que é necessário porque está na lei. Nossas leis são desconhecidas pela maioria dos europeus. Com essas leis tão preservacionistas, a gente se pergunta por que [existe] essa vontade de interferir no que nós fazemos no Brasil.
RFI: Como o senhor responde aos dados de que o desmatamento em julho de 2019 foi quatro vezes maior que o mesmo período de 2018?
LFS: Nós temos, no governo, sérias dúvidas quanto à metodologia dessa contagem. Não estou dizendo que não existe desmatamento. Mas o agricultor brasileiro tem plena consciência de que precisa conservar 20% de sua área rural e isso é cumprido. O grande produtor agrícola sabe que existem essas restrições a produtos que não sejam verdes. Não querem perder dinheiro. Não sei porque esse alarmismo todo, nosso agricultor continua sendo um dos mais produtivos do planeta, inclusive porque a natureza nos ajuda com duas colheitas por ano no lugar de uma. Se hoje temos 230 milhões de toneladas de grãos, mais de 210 milhões de cabeça de gado, é porque nós somos produtivos. É o caso de nos perguntarmos se nossa concorrência não está um pouco preocupada com essa produtividade do nosso agronegócio.
RFI: Como diplomata, como o senhor pretende melhorar a imagem de Bolsonaro no exterior?
LFS: Temos que fazer um esforço para melhorar, não só pelos diplomatas, mas também pelos brasileiros que não aceitaram a derrota nas urnas. Porque esse é um dos problemas: os derrotados das urnas, no ano passado, saíram pelo mundo afora dizendo inverdades sobre o presidente. E o presidente não tem mais paciência de ficar respondendo a esses tipos de perguntas que, às vezes, são ciladas. Disseram que o presidente era misógino, até conhecerem a esposa dele. Disseram que ele era racista até conhecerem o melhor amigo dele, que é afrodescendente. Ou seja, estão criando polêmicas em torno de coisas que não existem. E tem mais: nunca vi um jornalista dizendo que no Brasil não tem um preso político, um juiz preso, um exilado, um jornal censurado, um tribunal interditado. Nada disso se diz. Vou aproveitar para esclarecer que isso que estão dizendo é a mágoa de quem perdeu as eleições por 58% de votos. Essa turma que perdeu não aceita essa derrota. O Brasil tem instituições sólidas, um judiciário sólido, um legislativo independente e o presidente está lá para governar em nome de todos os brasileiros. Quem não aceita isso não aceita que a democracia tem alternância de poder.
RFI: O Brasil tem uma fronteira de 700 km com a França, pela Guiana Francesa. Recentemente a morte de um chefe indígena Waiapi levantou a questão do garimpo na região. Essa questão é tratada com a França?
LFS: O que se discute com a França são as formas e os meios de cooperar na fronteira para que ela seja exemplar. O governo brasileiro está totalmente engajado para fazer dessa missão com a Guiana um traço de união entre os dois países. O governo está empenhado em dar mais segurança a essa região. Queremos resolver as assimetrias, que existem desde o acordo assinado entre Brasil e França sobre vistos que excluiu a Guiana. Os dois governos passaram a cooperar mais depois que a ponte no rio Oiapoque tornou mais visível essa assimetria.
RFI: Qual a situação atual do contrato de parceria estratégica, de US$ 6,5 bilhões, assinado em 2008?
LFS: Está andando muito bem. O ministro Le Drian esteve lá, no complexo naval de Itaguaí. Um submarino já foi lançado e faltam mais três. Depois, teremos a construção do submarino à propulsão nuclear, um “game changer” que vai mudar a posição do Brasil quanto ao Atlântico sul, onde temos problemas que eu resumiria em três “P’s”. Pesca ilegal, poluição e pirataria.
RFI: Esses submarinos serão importantes para a defesa?
LFS: Mais do que para a defesa, já que não estamos sendo atacados. Aliás, gostaria de frisar que o presidente Bolsonaro é muito mais atacado pela imprensa em geral do que certos dirigentes. Devo dizer que, além de o Brasil não ter um preso político, um exilado político, um jornal censurado, um tribunal interditado, o Brasil não ameaça quem quer que seja, não anexou nenhum território, então merece um tratamento melhor por parte de quem se cala em relação a outros assuntos.
Veja a entrevista completa: