Vladimir Putin promete um grande plano de investimentos para relançar a economia - mas, até agora, nada saiu do papel. Sputnik/Aleksey Nikolskyi/Kremlin via REUTERS
No período de um ano, 500 mil pessoas passaram a engrossar as estatísticas da pobreza na Rússia, de acordo com dados oficiais do instituto Rosstat, em números que podem ser subestimados. Atualmente, um a cada sete russos é pobre: quase 21 milhões de habitantes vivem abaixo da linha da pobreza, um índice que cresceu 15% desde 2014.
Foi justamente nesse ano que entraram em vigor uma série de sanções internacionais aplicadas contra Moscou pelas potências ocidentais, após a anexação da Crimeia pelo governo russo, na guerra contra a Ucrânia. Desde então, a economia russa ficou mais isolada do Ocidente, e os percalços nos preços internacionais do petróleo não ajudam a melhorar o quadro.
No entanto, embora importantes, esses dois fatores não explicam por completo o aumento da pobreza. “Também é a falta de reforma, a expansão do Estado, o aumento da corrupção, que inibem os investimentos. O último relatório do FMI sobre a Rússia sugere que o ritmo lento de crescimento econômico se deve mais a outros fatores internos do que pelas sanções, que respondem por cerca de 1% do PIB a menos, ou seja, US$ 15 bilhões”, ressalta Sergei Guriev, economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Berd), entidade que financia projetos na Europa central e oriental.
Pior momento desde o fim da União Soviética
Com um crescimento projetado de no máximo 1,5% em 2019 - menos do que as economias avançadas e as emergentes -, alguns analistas não hesitam em afirmar que o país vive o momento econômico mais delicado desde o fim da União Soviética. Guriev, um respeitado economista em seu país, mas que foi obrigado a deixar a Rússia por divergências com o Kremlin, concorda parcialmente com essa avaliação.
O orçamento russo está baseado em um preço do barril do petróleo a US$ 40 – ou seja, enquanto o valor estiver acima, como agora, o país economiza. A dívida do Estado está baixa e o fundo soberano flutua em torno de 70% do PIB.
“A situação macroeconômica não está problemática. O que é preocupante é que não há plano para o desenvolvimento econômico e o investimento”, avalia. “Está claro que, infelizmente, a economia russa está ficando para trás na economia global e na comparação com outros mercados emergentes, e não há um modelo tangível nem crível para compensar essa lacuna com o resto do mundo.”
Em um país com uma indústria ainda pouco mecanizada, a população envelhece e a taxa de natalidade é baixa – um coquetel preocupante para o futuro. “É bastante assustador que, com um petróleo bastante elevado como agora, a pobreza na Rússia esteja crescendo. Por alguma razão, o governo russo não está concentrado nesse problema importantíssimo”, nota Guriev. “Num futuro próximo, países que sempre foram mais pobres do que a Rússia passarão a ser mais ricos.”
Plano de investimentos não sai do papel
A analista Nataliya Orlova, do Alfa Bank, de Moscou, complementa: a mão fechada do governo para relançar a atividade está impedindo o país de avançar. O presidente Vladimir Putin já prometeu sucessivas vezes a abertura de um grande plano de investimentos em infraestruturas – que até agora, não saiu do papel.
“O objetivo da política econômica a partir de 2014 foi restringir os gastos e essa é a principal razão pela qual a renda real da população não aumenta. Os chamados ‘projetos nacionais’, anunciados no início do ano, até agora não vingaram”, frisa a analista. “Existe a expectativa de que as despesas aumentem na segunda parte do ano e em 2020 para financiar esses projetos, conforme anunciado.”
Nesse contexto, os russos perderam em média 10% de poder aquisitivo em 10 anos, uma situação que prejudica mais as famílias de baixa renda. Orlova pondera que a diminuição tem de ser vista em perspectiva: o país registrava crescimento econômico acentuado nos anos 2000 e o poder de compra acompanhou uma prosperidade que, agora, ficou no passado.
“É preciso entender que o poder aquisitivo baixou de um nível que estava relativamente alto, antes de 2014, e principalmente nos anos 2000, depois da transição soviética”, afirma Orlova.
Enquanto a renda diminui, o endividamento aumenta, ao custo de juros de até 10%. O crédito é oferecidos sem dificuldades por microbancos. O Banco Central russo indica que, em 2018, as dívidas das famílias atingiram o recorde em décadas, de € 210 bilhões – uma conjuntura que, no caso de uma piora da crise, pode fragilizar ainda mais a situação dos mais vulneráveis.