Aprovado pelo Senado, futuro procurador-geral admite que assinou sem ler manifesto de juristas evangélicos que defende cura gay e família hétero
REGIANE OLIVEIRA
São Paulo 26 SET 2019 - 18:47 BRT
Augusto Aras foi aprovado nesta quarta-feira no Senado para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos próximos dois anos, com 68 votos a favor, 10 contra e uma abstenção. Durante sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, o indicado de Jair Bolsonaro para um dos postos cruciais do Estado brasileiro afirmou que quer afastar "caprichos pessoais" que prejudicam o trabalho da procuradoria e sinalizou vai corrigir "excessos" na Operação Lava Jato, da qual ele exercerá o papel de acusação nos casos em que houver foro privilegiado. "Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato", disse.
Forjado como conservador nos costumes durante a campanha pelo cargo em aceno ao Planalto, o substituto de Raquel Dodge recuou e disse não concordar com a legalidade da chamada "cura gay" e defendeu casamento homoafetivo, mas não deu passo atrás sobre sua opinião se houve ou não golpe militar em 1964. “Discutir se houve golpe de Estado ou revolução não me parece adequado no momento”, afirmou. “Naquele momento não se fala de revolução, mas de um movimento que levou a uma mudança”, afirmou, destacando que esse movimento civil foi, inclusive, apoiado por muitos parlamentares da época. “Essa é uma questão nebulosa para quem duvida do assunto”, disse. O futuro PGR defende que o verdadeiro golpe aconteceu em 1968, com o AI-5, quando houve o endurecimento do regime e o cerceamento das liberdades. Assim como no caso do casamento gay ou da homofobia, o posicionamento sobre a ditadura, em especial, sobre a validade da Lei da Anistia pode ter impacto na conduta em casos sobres os temas que chegarem ao Supremo Tribunal Federal.Sobre a Lava Jato, o futuro PGR destacou que a operação, que enfrenta uma crise pelas revelações de conversas privadas dos procuradores pelo The Intercept e enfrenta julgamentos decisivos no Supremo, representou um marco no combate à corrupção no país. Sem citar nomes, afirmou que o mérito individual de procuradores deverá ser reconhecido, mas que a confiança deve se voltar para as instituições por causa do princípio da impessoalidade. No que pareceu um recado aos procuradores acostumados a se manifestar nas redes sociais, Aras afirmou que as investigações, quando precedidas e sucedidas de opiniões, levam a condenações prévias das pessoas mencionadas. “É fundamental que os agentes públicos se manifestem nos autos, se manifestem somente na fase da ação penal", disse.
O futuro procurador-geral afirmou que o Ministério Público tem que adotar regras de compliance, governança, transparência e prestação de contas. “Temos uma instituição com muitos sigilos e segredos, e pretendo abrir essa caixa, doa a quem doer. Não posso aceitar que um pequeno grupo corporativo, por 16 anos, estabeleça quem pode ter poder e exercer poder”, afirmou. A meta de Aras é incorporar as boas práticas da Lava Jato em todo o MP. Mas ele garante que operação pode ser aprimorada. “Talvez tenha faltado nessa Lava Jato a cabeça branca, para dizer que têm certas coisas que podem ser feitas, mas têm outras coisas que não podemos fazer”, disse.
Em relação ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, que atualmente enfrenta processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Aras afirma que é preciso reconhecer o “grande trabalho” que ele fez. Mas ponderou: "Talvez se tivesse lá algum cabeça branca, poderíamos ter feito tudo o que ele fez, com menos holofote”.
Aras criticou os vazamentos de informação, uma estratégia tanto da força-tarefa quanto dos advogados de réus da Lava Jato, por violarem a privacidade, a dignidade da pessoa humana e o artigo 22 do Código de Processo Penal. Também mencionou a anulação no STF da decisão do então juiz Sergio Moro contra Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, condenado em 2018 por corrupção e lavagem de dinheiro. A anulação se deu por uma questão técnica: a Corte entendeu que houve cerceamento do direito de defesa do réu, num caso que o Supremo ainda analisa se repercute ou não nas demais sentenças da operação. “Vimos o Supremo anular o processo do Bendine porque não foi dado vista ao delatado. Não custa nada dar três dias ao delatado”, afirmou Aras, que garante que não vai perseguir Dallagnol por “eventuais excessos”. “Vamos tratar o colega dentro da lei”, afirmou.
Amazônia, relações homoafetivas e "cura gay"
Aras pareceu bastante confortável ao ser questionado sobre temas como direitos humanos e diversidade, questões ambientais, lei de abuso de autoridade e autonomia do Ministério Público. Bastante alinhado com as ideias de Bolsonaro, manteve o tom professoral ao defender o desenvolvimento sustentável da Amazônia, porque "há indígenas passando fome porque não têm direito de usar as próprias terras para produzir".
Ele admitiu que há um grupo de indígenas isolados que necessitam de proteção do Estado para que a riqueza de seu "modus vivendi” seja preservado. Porém, ressaltou: “Índio também quer vida boa, não quer pedir esmola. Ele tem 100.000 hectares de terra e não pode produzir, porque é obrigado e a viver como caçador e coletor. Ele tem que ter direito de produzir grãos, pecuária”, afirmou, reverberando um diagnóstico generalista e considerado de viés "integracionista" por especialistas .
Apenas o senador Fabiano Contarato (Rede/ES) conseguiu colocar o indicado de Bolsonaro contra a parede por ter assinado uma carta da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (ANAJURE). O documento define que “a instituição familiar deve ser preservada como heterossexual e monogâmica” e também prevê que qualquer pessoa tenha direito de “tornar-se paciente em tratamento de reversão sexual”, a chamada "cura gay". “O senhor não reconhece minha família como família, tenho uma subfamília? Essa carta estabelece a cura gay. Eu sou doente?”, perguntou Contarato, ex-delegado de polícia e primeiro senador abertamente gay do país, que é casado e tem um filho de quatro anos.
Aras admitiu que assinou sem ler o manifesto dos juristas evangélicos. “Tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetivo (...). Não acredito em cura gay”, afirmou, ressaltando que “cura gay é uma dessas artificialidades que não tem ordem científica”. “Reconheço duas coisas: na medicina — o gênero homem e mulher, e na vida pessoal, a opção de gênero de cada um na idade adequada”, afirmou Aras. Quanto ao tema, no entanto, o subprocurador-geral fez uma ressalva: destacou que se sentiria mais confortável com a existência de uma legislação com “norma constitucional” onde não se leia mais “homem e mulher”, como ainda é definido hoje na Constituição.
Ascensão fora da lista tríplice
Aras foi o primeiro procurador-geral indicado fora da lista tríplice feita pela categoria desde 2001. A escolha de Bolsonaro sem considerar a demanda dos procuradores da República de indicarem aqueles que consideram os mais preparados para gerir a instituição foi um dos temas mais comuns nas perguntas dos senadores. Aras defendeu o que chamou que “mudança no paradigma com o novo regime de Governo”. Para ele, após 16 anos de experiência da lista tríplice pode-se constatar a “existência de graves defeitos no sistema”. “O paradigma que combatemos é o corporativista e não da unidade institucional”, diz.
O corporativismo, afirmou Aras, estaria na origem de problemas como a tentativa da força-tarefa de criar uma fundação particular para gerir 2,5 bilhões de dinheiro pago como reparação no âmbito da Lava Jato. "O presidente seria um ex-procurador-geral e o vice, o próprio Deltan [Dallagnol]. Isso é uma disfuncionalidade grave do sistema. Quem gere fundos é o poder executivo. Esta não é uma atividade típica do MP", afirmou.