Em meio aos incêndios florestais na Amazônia, as principais redes de supermercados da Suécia têm sido alvo de fortes críticas dos consumidores por continuarem a vender produtos importados do Brasil. Nas mídias sociais, muitos suecos afirmam ter tomado a decisão de boicotar estes supermercados até que eles retirem os produtos brasileiros de suas prateleiras.
Entre os produtos brasileiros à venda nos supermercados da Suécia estão carne bovina, café e frutas como mamão, manga, melancia e melão. Para os consumidores suecos, os comerciantes erram ao manter os artigos brasileiros em suas prateleiras, uma vez que grande parte dos incêndios na Amazônia são induzidos pelo homem, geralmente por agricultores e pecuaristas.
“O boicote aos produtos brasileiros é a única maneira de forçar o Brasil a tomar uma atitude em relação à destruição da Amazônia e à aprovação de pesticidas pelo governo brasileiro. Contem comigo!”, escreveu o sueco David Simic em um forum de discussões na internet.
“Os grandes conglomerados empresariais que estão por trás dos incêndios no Brasil e também no sudeste asiático só se preocupam com dinheiro. Para acabar com isso, nós, consumidores, não só na Suécia mas em todo o mundo, precisamos parar de comprar esses produtos”, comentou o internauta Darrell Heal em uma postagem no Facebook sobre os incêndios na Amazônia.
“Precisamos parar Trump, Bolsonaro e todos os loucos”, lê-se em outro comentário, publicado por Björn Hasselblad. “Boicote já!”, escreve a sueca Lelah Bender-Fergusson.
Rede de supermercado nao descarta aderir ao boicote
Sob pressão dos consumidores, a cadeia de supermercados sueca Ica já informou que não descarta um boicote ao Brasil. “O Ica comercializa com empresas, e não com países. Mas se for decidido um boicote contra o Brasil e todos os fornecedores brasileiros, é claro que iremos aderir. Porém, esta é uma questão relacionada à política externa, e portanto deve ser respondida pelo governo sueco”, disse à RFI a diretora de sustentabilidade da rede, Kerstin Lindvall, em email enviado à reportagem.
A diretora indica, no entanto, que a rede não é favorável a um boicote imediato. “Nós nos preocupamos com os problemas que existem no Brasil, e as imagens da floresta amazônica em chamas nos tocam profundamente. Mas não acreditamos que o problema possa ser resolvido através de um boicote aos fornecedores que cumprem as exigências”, observa ela.
Kerstin Lindval, diretora de sustentabilidade da rede de supermercados Ica, disse que não descarta o boicote, mas lembra que trata-se de uma questão de política externa, que "deve ser respondida pelo governo sueco"Divulgação
A rede de supermercados aponta que a carne bovina à venda em suas lojas, assim como o café brasileiro, não provém da região amazônica. “A cadeia Ica tem estado engajada nos acontecimentos no Brasil há muito tempo, exatamente por compartilharmos com nossos consumidores a preocupação com as questões ambientais. Pelo fato de darmos preferência a produtos suecos, vendemos principalmente carne bovina de origem sueca, mas a pequena porcentagem de carne brasileira em nossas lojas não provém da Amazônia, e o café que comercializamos tem certificação que garante que o produto não é cultivado em áreas de floresta tropical”, diz Kerstin Lindvall.
“Enviamos inclusive em junho uma carta a todos os nossos fornecedores de frutas e vegetais no Brasil, a fim de reafirmar que todos devem cumprir a legislação relevante com relação aos métodos de produção, tanto no Brasil como na União Européia. Todos os fornecedores nos responderam com a afirmação de que as exigências são cumpridas”, acrescentou a diretora do Ica.
Também alvo de críticas dos consumidores, a rede de supermercados Coop afirma que a carne brasileira importada pela rede não tem relação com as queimadas na Amazônia. “A carne bovina que importamos vem de pastagens em regiões brasileiras fora da Amazônia”, disse Tobias Rydergren, diretor de comunicação da rede, em entrevista ao jornal sueco Expressen.
Segundo ele, a Coop impõe “fortes exigências aos fornecedores em relação ao modo como a produção é conduzida”, seja em que país for. “Acreditamos que a melhor maneira de exercer influência sobre os métodos de produção de um país é através do comércio, em vez de simplesmente suspender os acordos de compra”, diz Rydergren. Segundo ele, os consumidores suecos podem ter certeza de que, ao comprar produtos brasileiros nos supermercados da rede, não estarão contribuindo para as queimadas na Amazônia.
De acordo com um cálculo do Greenpeace, com base em dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 6.047 focos de incêndio ocorreram em áreas utilizadas para agricultura e pecuária nos primeiros 20 dias de agosto, que foi o pior mês para a Amazônia desde 2010.
Nove em cada dez focos de queimadas em áreas destinadas ao agronegócio foram em pastagens para criação de gado. O número de queimadas contabilizadas na região em agosto chegou a quase 40 mil focos. A maioria dos especialistas atribui o aumento do número de focos de incêndio na Amazônia não a fatores naturais, e sim à ação humana.
Uso de agrotóxicos já havia provocado boicote sueco
No início de junho, o presidente da rede de supermercados Paradiset, Johannes Cullberg, anunciou um boicote a todos os produtos do Brasil em consequência da liberação recorde de novos agrotóxicos pelo governo brasileiro – grande parte deles são proibidos na União Europeia, em razão dos riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Maior rede de produtos orgânicos da Escandinávia, a Paradiset retirou de suas prateleiras os seguintes produtos brasileiros: quatro diferentes tipos de melão, melancia, mamão, limão, manga, água de coco e duas marcas de café, além de uma barra de chocolate que contém 76% de cacau brasileiro em sua composição.
Na época, a decisão de Cullberg provocou a reação da embaixada do Brasil na Suécia, que divulgou carta pública na qual destacou que, apesar de ser uma potência agrícola, o Brasil não é o maior usuário de pesticidas do mundo.
O presidente da Paradiset criou ainda um site para ampliar o boicote aos produtos brasileiros. Com a hashtag #BoycottBrazilianFood, o site pretende incentivar outras redes de supermercado a se juntarem à campanha iniciada pelo fundador da rede sueca.
“Notamos um aumento do interesse por nossa campanha”, diz Cullberg. “Mas é lamentável que seja preciso ocorrer uma catástrofe como essa (na Amazônia) para que as pessoas se conscientizem sobre a situação”, acrescenta ele.
Para Anna Richert, da organização WWF na Suécia, será preciso ampliar o movimento por um boicote ao Brasil. “A Suécia é um país de pequenas dimensões, e portanto é importante que a questão de um boicote ao Brasil seja levantada a nível político, no âmbito da União Européia. A União Européia é um dos maiores importadores de carne e soja do Brasil”, ressalta Richert.
* Por: Claudia Wallin, correspondente da RFI em Estocolmo