Quando estamos longe do lugar onde nascemos e vivemos, alguns alimentos ou pratos que preparamos ganham significados carregados de afeto e saudade. A relação estreita entre comida e memórias afetivas é percebida nas histórias de brasileiros que estão de passagem ou vivem em Portugal.
Geisa Fronteira é de Pernambuco e cresceu comendo cuscuz à base de milho no café da manhã. Quem preparava era a mãe, “para dar força e sustentar o resto do dia”, conta ela com saudosismo.
É em Santarém, a cerca de 80 km de Lisboa, que Geisa trabalha como ajudante de cozinha e vive com os três filhos e o marido português. A pernambucana deixou o Brasil há 14 anos e faz questão de preservar as tradições da culinária da terra natal na casa portuguesa: prepara variados pratos com leite de coco na Semana Santa e comidas à base de milho durante as festas juninas. “Quando eu como cuscuz, é o mesmo que estar em casa, perto da minha família, perto dos meus pais, principalmente”, sublinha Geisa.
Cozinha dos afetos
A professora titular de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Maria Eunice Souza Maciel, especialista em Antropologia da Alimentação, explica que depoimentos com o de Geisa Fronteira vão ao encontro do que classifica de “cozinha dos afetos”. “É aquela cozinha que remete à terra natal, à infância, a bons momentos. Remete a sentimentos que são valiosos para a pessoa”, salienta Souza Maciel.
Na opinião dela, que também é pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), preparar algum prato da “cozinha dos afetos” é mexer com a memória - não só com a racional, acrescenta, mas com “aquela memória que traz emoção e afeto juntos”.
O primeiro churrasco em Portugal
Nas memórias afetivas da gaúcha Bruna Bottin, a tradição do churrasco não poderia ficar de fora. “Desde que eu sou muito pequena, eu convivo no meio do churrasco, seja nos churrascos da minha avó, na infância, ou quando fui ficando mais velha e fazia churrascos com os amigos da escola, da faculdade”, lembra.
A gaúcha Bruna Bottin faz churrascos na varanda de casa, perto de Porto.RFI/ arquivo pessoal
Produtora de conteúdo e editora de um site, Bruna vive em Vila Nova de Gaia, cidade do distrito do Porto. Chegou há sete meses e logo fez o primeiro churrasco na varanda da casa, com vista para a cidade do Porto. “Foi sensacional: aquele sentimento de estar em casa, perto da minha irmã, do meu pai”, relata.
O Brasil nas prateleiras
Nos mercados especializados em produtos brasileiros em Portugal, sempre há alguém em busca de aliviar a saudade. Anni Broietti e o marido têm seis lojas. Ela diz que tenta ter nas prateleiras “um pouquinho de tudo”: erva-mate para chimarrão, flocos de milho para cuscuz, farinha para tapioca, doces de goiaba e muitos outros produtos de cada região do Brasil.
O músico baiano Demétrius Souza Sena saiu do mercado com uma sacola cheia. Ele mora na Suíça, mas é em Portugal que compra os produtosque vêm do Brasil. Farinha de mandioca é o que mais gosta. “Pra mim, que sou baiano, é o ingrediente que não pode faltar na minha casa. Faz parte assim da minha cultura.”
Cheiro de pão
Todos os dias, em Lisboa, o mineiro Philippe Anthony Pessoa Contaiffer sai do salão onde trabalha como cabeleireiro e segue em direção ao mercado da Anni para comprar o pão que comia no Brasil. Conta que cruza a rua já com receio de não encontrar o alimento com gosto de casa. “Tomara que ainda sobre um bocado porque, geralmente, muita gente vem e compra de uma vez. Muitas vezes eu cheguei aqui e não tinha pão; só tinha o cheiro”, lamenta Philippe, aos risos.
Mineiro Philippe Anthony Pessoa Contaiffer corre à padaria para comprar o disputado pãozinho francês brasileiro.Fábia Belém/ RFI