O chanceler argentino, Felipe Solá, viaja nesta terça-feira (11) a Brasília para, numa reunião com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tentar avançar com o Mercosul, deixando de lado o acordo com a União Europeia e afastando-se de Lula para priorizar a relação com Bolsonaro em nome da recuperação econômica.
Fotomontagem do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao lado do presidente argentino, Alberto Fernández. ALEJANDRO PAGNI, EVARISTO SA / AFP
Se depender do governo argentino, os atritos ideológicos e a consequente distância com o Brasil vão acabar a partir de amanhã, quando o chanceler da Argentina, Felipe Solá, mantiver uma reunião com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O representante do governo argentino chega na noite desta terça-feira a Brasília para a reunião no dia seguinte. Não se descarta que o enviado do presidente argentino, Alberto Fernández, também se reúna com o presidente Jair Bolsonaro para selar a paz depois de meses de ataques cruzados.
O governo argentino quer retirar a ideologia da discussão com o Brasil tanto no campo político quanto no comercial. Por isso, o ministro argentino das Relações Exteriores também vai propor uma trégua que inclui adiar a discussão dentro do Mercosul sobre o acordo comercial com a União Europeia para, assim, poder avançar com projetos concretos de integração.
"O objetivo dessa visita é aproximarmo-nos. Sejamos claros: nessa [visita], nós apostamos a política exterior argentina. Apostamos a nossa posição no Mercosul, no continente americano e no mundo. E não consultamos as nossas bases [políticas] porque, caso contrário, o negócio se ideologiza", definiu o chanceler Felipe Solá.
"A ideologia nunca deve ser um obstáculo para o diálogo. Com esse espírito, vamos viajar ao Brasil. E existe uma possibilidade de vermos o presidente Bolsonaro", indicou.
Felipe Solá terá amanhã em Brasília uma reunião muito mais política do que comercial para acabar com as brigas políticas entre os presidentes Jair Bolsonaro e Alberto Fernández. O ministro argentino vai exaltar a importância que o governo de Alberto Fernández dá ao Brasil e quer saber qual é o verdadeiro valor da Argentina ao governo Bolsonaro.
O governo argentino quer descobrir se os ataques de Bolsonaro estão destinados à política doméstica brasileira ou se são uma estratégia para se afastar de Buenos Aires - principal sócio em política externa do Brasil - e aproximar-se dos Estados Unidos.
Afastar-se do PT e de Lula
Como sinal de boa fé, o governo argentino está disposto a deixar de lado a sua afinidade política com o Partido dos Trabalhadores do ex-presidente Lula para priorizar a relação Brasil-Argentina, eixo da integração regional.
"A nossa postura não tem a ver com a política interna argentina. Se a metade daqueles que nos votaram quer que nós insultemos o Bolsonaro, isso não nos interessa. Pagaremos o custo que for. O importante é que não se aprofunde a distância com o Brasil", aponta Felipe Solá.
No que se refere à ideologia comercial, a Argentina quer encapsular a discussão da abertura comercial, defendida por Bolsonaro, versus o protecionismo, defendido pelo governo peronista de Alberto Fernández.
Adiar uma definição sobre acordo com Europa
Em termos práticos, Buenos Aires quer colocar o acordo comercial Mercosul-União Europeia de lado, por enquanto, para avançar numa agenda estratégica conjunta Brasil- Argentina. Essa visão foi compartilhada pelo ministro argentino durante o encerramento de uma reunião com legisladores do Mercosul na segunda-feira, 24 horas antes de embarcar a Brasília.
"Coloca-se o acordo Mercosul-União Europeia no meio da discussão entre Argentina e Brasil, como se primeiro houvesse que dizer o que se pensa sobre o acordo e o que se vai fazer a respeito para depois falarmos de integração", criticou Felipe Solá, avisando que vai propor ao seu colega brasileiro o contrário: avançar com a agenda bilateral para depois discutir o compromisso.
O acordo de livre comércio entre os dois blocos foi assinado em junho, depois de 20 anos de negociações. O texto está em processo de revisão legal. Depois será tratado pelos Parlamentos de cada país. Em dezembro, com a posse de um novo governo, a Argentina passou a querer rever aspetos do acordo por considerar que afetam a sua indústria, mais fragilizada pela severa crise econômica.
Agenda estratégica conjunta
A agenda estratégica que a Argentina vai propor ao Brasil inclui projetos para fortalecer a integração como o desenvolvimento de energias alternativas em conjunto, a associação da exploração off shore de petróleo do Brasil (pré-sal) com o petróleo de xisto argentino na Patagônia, a implementação conjunta da tecnologia 5G, um novo modelo de segurança nas fronteiras e um papel de relevância internacional no desenvolvimento nuclear.
"É uma agenda que nos une, que permite reconstruir a relação bilateral porque temos de gerar empregos", defendeu Solá.
A Argentina também quer debater a questão do meio ambiente nos dois países porque, segundo Felipe Solá, a partir dos incêndios na Amazônia, a Europa construiu uma ideia de que a produção agropecuária do Mercosul baseia-se na destruição das florestas e na mão-de-obra barata.
"Há opositores ao acordo Mercosul-União Europeia porque pensam que vamos mandar mercadorias mais baratas a partir de uma extração irracional dos recursos naturais", criticou.
A Argentina vai pedir o apoio do Brasil no processo de renegociação da dívida pública com o Fundo Monetário Internacional e vai falar também sobre a posição do governo argentino em relação à Venezuela e à Bolívia.
Encontro com Bolsonaro
Depois do discurso de Felipe Solá aos legisladores, o deputado brasileiro Celso Russomano, que liderava a delegação do Brasil, disse que, como vice-líder do governo no Câmara, levaria as palavras do ministro argentino ao presidente Bolsonaro. Disse que Felipe Solá será recebido hoje de "braços abertos".
"Vou conversar com o presidente Bolsonaro para que esse encontro entre vocês aconteça porque é importante que ele ouça as suas palavras", prometeu.
Os ataques entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández começaram em maio quando Bolsonaro começou a fazer campanha a favor da reeleição do ex-presidente Mauricio Macri. Em julho, Alberto Fernández visitou Lula na prisão e depois, em outubro, durante o seu discurso de vitória, pediu pela liberdade de Lula. Quando o líder petista ganhou a liberdade em novembro, Alberto Fernández, já eleito, recebeu a ex-presidente Dilma Rousseff.
Bolsonaro não cumprimentou Fernández pela vitória nas urnas e não foi à posse do presidente argentino em dezembro. Em agosto, Bolsonaro também alertou para o risco de Fernández transformar a Argentina numa nova Venezuela. E o presidente argentino respondeu que as críticas vindas de um "racista, misógino e violento" só o beneficiavam.