Amostras de exemplares apreendidos há três anos estão infectadas com vírus muito semelhantes ao causador da pandemia
Os pangolins, no centro, são vendidos em mercados na África, como este em Libreville (Gabão), e em vários países da Ásia. Em vídeo, novas análises apontam o pangolim como uma possível fonte do coronavírus.STEEVE JORDAN / AFP
A análise de amostras genéticas aumenta o cerco ao pangolim como possível origem do coronavírus. Vários exemplares apreendidos há três anos a mais de 1.000 quilômetros de Wuhan, onde tudo começou, estavam infectados com vírus geneticamente muito semelhantes ao SARS-CoV-2, segundo um novo estudo. Este trabalho se junta a dois anteriores que também tinham encontrado uma conexão entre um dos animais mais ameaçados do planeta e a pandemia global.
Em agosto de 2017, 18 pangolins malaios (Manis javanica) foram apreendidos pela polícia aduaneira em Guangxi, região do sul da China na fronteira com o Vietnã. A zona é um dos pontos quentes do tráfico ilegal desses animais. De acordo com um relatório recente da organização TRAFFIC, desde o início do século quase 900.000 pangolins alimentaram as redes de tráfico na Malásia, Cingapura e Vietnã, principalmente com destino à China. Embora seja uma gota no mar, estes exemplares estão ajudando os cientistas a chegar à origem da pandemia de coronavírus. Existem oito espécies de pangolins, quatro delas africanas, e todas estão em perigo de extinção, segundo a ONU. Cinco dessas espécies estão em uma situação crítica.
Mesmo antes da explosão da pandemia houve um estudo que encontrou um vírus da família Coronoviridae em pangolins malaios. Daí o interesse que esses animais despertaram entre os cientistas. Um grupo estudou tecidos e amostras de sangue desses 18 exemplares conservados desde 2017. Os resultados de seu estudo, publicado na revista Nature, indicam que 6 das 43 amostras continham coronavírus com elevada semelhança genética entre este RNA e o SARS-CoV-2.
“O papel desempenhado por esses pangolins no surgimento do SARS-CoV-2, que causa a Covid-19, ainda não está claro. No entanto, chama a atenção que os vírus do pangolim contenham determinadas regiões genômicas que são muito próximas das do vírus humano”, diz o virologista evolutivo da Universidade de Sydney (Austrália) e coautor do estudo Edward Holmes. “A mais importante delas é o [chamado] ‘domínio de ligação ao ligante’ que determina como o vírus pode se fixar e infectar as células humanas.” Esta parece ser a chave na entrada do vírus.
Holmes e seus colegas, todos de centros de pesquisa chineses, concluíram sua investigação analisando amostras de 12 outros pangolins também apreendidos, mas em outra província chinesa e um décimo terceiro em outra zona do país. Nesta e em três das anteriores, também conseguiram isolar o vírus. Os positivos apresentaram similaridade em sua sequência genética entre 85,5% e 92,4%. No entanto, os coronavírus dos pangolins estudados não apresentam uma alteração importante que aparece no coronavírus humano e que afeta a proteína que o vírus usa para se acoplar às células humanas.
Juntamente com determinadas espécies de morcego, os pangolins são os únicos mamíferos nos quais foram detectados coronavírus como o que agora castiga os seres humanos. O fato de que diferentes estudos com amostras diferentes, algumas obtidas a mais de 1.000 quilômetros do epicentro da pandemia, terem encontrado esses vírus nesses animais também é outro argumento de peso. No entanto, a semelhança genética é muito alta, mas não atinge 99% em nenhum dos estudos, percentual que dissiparia qualquer dúvida. Portanto, não basta para sentenciar o pangolim.
Serve para que os autores desta pesquisa destaquem três medidas urgentes para que isso não aconteça novamente: a primeira é monitorar os coronavírus em um leque de espécies de mamíferos. As outras duas são levantadas por Holmes: “Uma lição fundamental desta pandemia para ajudar a evitar a próxima é que os seres humanos devem reduzir sua exposição à vida selvagem, por exemplo, proibindo os mercados úmidos [como o da foto] e o tráfico de vida selvagem”.