Enquanto o número de casos de coronavírus dobra a cada três dias na cidade que se tornou o epicentro da pandemia, autoridades estudam formas de reduzir ainda mais a circulação de pessoas. Brasileiros que moram em Nova York comentam a sensibilização rápida dos moradores.
Mensagem recomendando proteção contra a Covid-19 é vista em um painel eletrônica em uma quase deserta Times Square em Manhattan, New York, em 20/03/2020. REUTERS - MIKE SEGAR
Nathália Watkins
Correspondente em Nova York, do RFI
“Fique em casa e salve vidas. Quando você sai de casa, você arrisca a sua vida e a vida dos outros”, diz a mensagem enviada repetidamente por SMS para os moradores de Nova York.
Outro alerta comum nos celulares orienta que os cidadãos fiquem em casa, ainda que tenham sintomas da Covid-19: “Procure uma emergência apenas se você estiver gravemente doente”.
Apesar de ter as ruas esvaziadas e ter fechado casas de show, teatros, cinemas, escolas, universidades e todos os serviços não-essenciais, a doença continua se alastrando rapidamente em uma das regiões mais populosas do mundo.
O estado de Nova York já contabiliza mais de 25.000 casos, aproximadamente 7% do total de infectados pelo novo coronavírus a nível mundial. Mais de 210 pessoas morreram. O número de infectados dobra a cada três dias, e está relacionado ao incremento na quantidade de testes realizados no Estado, mais de 90 mil.
Os números crescem exponencialmente, apesar dos cuidados da população, que atende em massa aos chamados das autoridades. O metrô de Nova York reduziu o serviço, dada a queda de 87% na demanda. Até sábado, o prefeito Bill de Blasio decidirá sobre o fechamento de uma das únicas atividades que restaram aos moradores, os passeios nos parques e praças, ainda movimentados nestes dias de clima ameno de primavera. “É irônico, tenho amigos em vilarejos rurais na África que me escrevem para saber se estou bem em Manhattan. Ainda que 95% dos 9 milhões de habitantes fique em casa, ainda seremos milhares de pessoas andando nas ruas”, diz o americano Joshua Jacobs, professor de matemática em uma escola particular no Upper West Side. Há duas semanas, Jacobs ministra aulas virtuais para seus alunos, entre 11 e 13 anos de idade, e sai de casa apenas para fazer compras e caminhar por dez minutos pelo bairro.
Pico da epidemia
Em Manhattan, os supermercados organizam filas externas para controlar o número de clientes e sinalizam, no piso, a distância mínima recomendada entre pessoas nas filas. Itens como termômetros, álcool em gel e papel higiênico continuam escassos nas prateleiras, enquanto alguns restaurantes mantêm pequenas janelas abertas para retirada de pedidos e serviços de entrega. Seguindo o exemplo de países europeus, vizinhos se organizam para bater palmas todas as noites, em homenagem aos profissionais de saúde.
A Casa Branca orientou que todos que tenham visitado Nova York recentemente façam uma quarentena de 14 dias para evitar o aumento da contaminação em outras regiões do país.
O governador Andrew Cuomo alertou que o pico da infecção pode acontecer em duas ou três semanas. “Não conseguimos achatar a curva. Pelo contrário, ela está aumentando”, disse Cuomo na terça-feira no Javis Center, em Manhattan.
O centro de convenções está se transformando em um hospital de emergência com 1.000 leitos. Hospitais temporários também serão abertos no centro de convenções do Condado de Westchester e em campus universitários em Long Island. O governo do Estado estima que serão necessários 140.000 leitos hospitalares para tratar vítimas de coronavírus, e até agora apenas 53.000 estão disponíveis.
A quarentena dos brasileiros de Nova York
Quem podia, deixou a cidade para evitar a aglomeração. É o caso da designer de moda paulistana Vania Soucy, de 43 anos. Vania e seu marido, Rob, deixaram Chinatown, no coração de Manhattan, e encontraram refúgio em Vermont há nove dias.
“O sistema de saúde americano é fraco, não quero ficar doente e virar mais um número. Vim para uma fazenda em um Estado com baixa densidade populacional”, conta. Durante os treze anos que vive em Nova York, Vania passou por situação de emergência semelhante durante a passagem do furacão Sandy, em 2012. “À época, lembro do pânico e cautela das autoridades, e nada aconteceu. Por isso, no começo achei que estavam exagerando. Demorou para cair a ficha”, conta. Em vez de ocupar-se com a abertura de sua nova loja no Brooklyn, Vania está na casa de amigos em Vermont, de onde trabalha e ensina costura pela internet para seus seguidores.
Ensino à distância também mudou a rotina de André Ritter, professor de Odontologia na New York University (NYU), radicado nos Estados Unidos há 23 anos. “Em questão de uma semana ou dez dias, a abordagem ao trabalho virou de cabeça para baixo. Hoje os quase cem professores e trinta funcionários do departamento estão se adaptando à nova realidade e, por incrível que pareça, essa fase tem sido bem produtiva. Estamos ocupados em manter o calendário de aulas e provas”, conta.
Assim como Vania, André não imaginava que a mobilização social fosse ser tão grande e tão rápida. “Vejo que a resposta das autoridades está acontecendo na mesma medida da necessidade. Não sei até que ponto isso acalma, o melhor que podemos fazer neste momento é prevenir”. Apesar da gravidade da situação e dos escassos voos entre Nova York e o Brasil, o consulado brasileiro na cidade não registrou aumento dos pedidos de auxílio para deixar o país, segundo informações dadas pela representação à reportagem.