Sergio Moro pediu demissão do cargo de ministro da Justiça nesta sexta-feira com um discurso duro contra a decisão do presidente Jair Bolsonaro de trocar o comando da Polícia Federal, movimento que o agora ex-ministro disse representar uma interferência política e quebra da promessa de que teria carta-branca à frente da pasta.
Sergio Moro fala durante entrevista coletiva em Brasília 24/4/202. REUTERS/Ueslei Marcelino
Em pronunciamento no ministério, Moro revelou que na véspera, em reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, o presidente o avisou que queria mudar o comando da PF usando como uma das alegações preocupação com o andamento de investigações autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que serão conduzidas pela corporação. Nesse encontro, Bolsonaro disse a Moro que iria trocar o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo.
No início da semana, o STF abriu inquérito para investigar os responsáveis pela organização de atos realizados no domingo que pediram o fechamento da corte e do Congresso Nacional e uma intervenção milita. Um desses atos —realizado no QG do Exército em Brasília— contou com a presença de Bolsonaro. A investigação, pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, não tem o presidente como alvo.
“O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca da Polícia Federal também seria oportuna por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição, também é algo que gera uma grande preocupação”, acusou.
No pronunciamento, de cerca de 40 minutos, Moro contou que, em mais de uma ocasião, Bolsonaro disse-lhe que queria que fosse escolhido um diretor-geral da PF com o qual ele pudesse ter um contato pessoal, “que pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência”. Considerou que realmente não é esse o papel apropriado que a polícia deve se prestar.
“Sinto que tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal, por todos esses motivos, eu até busquei uma solução para evitar uma crise política durante uma pandemia, acho que o foco deveria ser o combate à pandemia, mas eu entendi que não poderia deixar de lado meu compromisso com o estado de direito”, disse.
Moro disse que não poderia concordar com esse tipo de interferência que levasse a relações impróprias do chefe da PF ou de superintendentes da polícia com o presidente e que, por isso, preferiu se manter fiel a seu compromisso.
“Tenho que preservar minha biografia, mas acima de tudo, o compromisso que assumi no combate à corrupção e ao crime organizado”, reforçou ele, que ficou mundialmente conhecido pelo trabalho realizado como o principal juiz da Operação Lava Jato.
Moro afirmou que uma concordância com esse tipo de atitude poderia levar a “resultados imprevisíveis” e destacou que, mesmo durante o período de maior pressão da Lava Jato, isso não ocorreu mesmo quando a PF estava investigando o governo da então presidente Dilma Rousseff —que foi alvo de processo de impeachment.
No pronunciamento, o então ministro disse que, diante do impasse, iria entregar a sua carta de demissão ao presidente, a quem agradeceu pela nomeação, e iria “empacotar” seus pertences do ministério. Afirmou ainda que vai procurar um emprego após abrir mão de uma carreira de 22 anos como magistrado para entrar no governo com o intuito de aperfeiçoar o trabalho de combate à criminalidade, tendo como um dos principais eixos o combate à corrupção.
A demissão de Valeixo pelo governo, na véspera, e o pedido de demissão de Moro, antes do pronunciamento, foram antecipados em reportagens da Reuters.
SEM ASSINATURA
Moro indicou ainda que a saída de Valeixo, publicada em edição do Diário Oficial da União nesta sexta, foi forjada. A “exoneração a pedido” de diretor-geral da PF foi subscrita com as assinaturas de Bolsonaro e do ministro da Justiça, que disse no pronunciamento não ter se pronunciado sobre o caso.
“A exoneração foi publicada, eu fiquei sabendo da exoneração pelo Diário Oficial, de madrugada, eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração”, disse.
“Não existe nenhum pedido feito de maneira formal. Eu fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo”, completou.
Para Moro, esse foi o “último ato” que sinalizou que o presidente não queria que ele continuasse à frente do ministério.
Moro ganhou notoriedade nacional como juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde presidiu processos da operação Lava Jato, o mais notório deles foi o que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2018, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmar em segunda instância a sentença de Moro que condenou o petista.
A condenação na segunda instância, no processo sobre o tríplex em Guarujá (SP), também deixou Lula, com base na Lei da Ficha Limpa, impedido de disputar a Presidência na eleição daquele ano, que foi vencida por Bolsonaro.
Alçado por muitos ao posto de paladino do combate à corrupção, Moro abandonou a magistratura e aceitou convite para comandar o reunificado Ministério da Justiça e Segurança Pública em novembro, dias depois da vitória eleitoral de Bolsonaro no segundo turno contra o petista Fernando Haddad. O ministro sempre negou que tivesse acertado a ida ao governo com o presidente antes disso.
Com a promessa de Bolsonaro de que teria carta-branca e apontado como um “superministro”, Moro tinha a intenção de realizar uma série de mudanças legislativas que, na sua visão, facilitariam o combate à corrupção no país. O ministro, no entanto, enfrentou obstáculos no Congresso e teve decisões suas contrariadas por Bolsonaro.
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