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À espreita do hospedeiro

Temperaturas mais baixas do inverno alongam fase não parasitária do carrapato no pasto, onde se encontra 95% da sua população

Gustavo Máximo Martins

Contando com um rebanho bovino de 214,69 milhões de cabeças (2018), o Brasil apresenta grande destaque na cadeia do agronegócio mundial. O controle dos parasitas em bovinos é um importante fator na produção, uma vez que causam grandes perdas econômicas devido a quedas de produtividade, retardo nas idades de abate e reprodutiva, transmissão de doenças, alta morbidade, podendo ocasionar até mesmo a morte em alguns animais.

O parasita mais lembrado pelo produtor rural, na maioria das vezes, quando questionado sobre qual é o que mais afeta o seu rebanho, é o carrapato-do-boi, Rhipicephalus Boophilus microplus, que causa um grande impacto econômico negativo. A introdução dessa espécie de carrapato no Brasil, provavelmente, se deu no início do século XVIII, por conta das expedições que transportavam animais domésticos parasitados. Hoje, está amplamente distribuído em todo o território brasileiro.

Estudos mostram que, na primavera e no verão (meses mais quentes), o tempo desde o desprendimento da teleógina (fêmea adulta ingurgitada, cheia de sangue) do animal  até o aparecimento de suas larvas na pastagem é menor do que durante as estações de outono e inverno, de modo a tornar a fase não parasitária mais longa nas estações com temperaturas médias menores. Por este motivo, há diferenças de intensidade de infestação nas distintas regiões do Brasil, bem como pela variedade de raças criadas. Na Região Sul do País, por exemplo, podem-se observar três gerações ao longo do ano, enquanto que, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, podem-se observar de quatro a cinco gerações.

A partir do desprendimento da teleógina do hospedeiro, dá-se início à fase de vida livre. Após cair ao solo, ela busca local adequado e começa sua ovipostura, com subsequente incubação dos ovos e posterior eclosão das larvas. Desta forma, podem permanecer à espera de um hospedeiro, na pastagem, por mais de 80 dias. A fase não parasitária termina quando as larvas conseguem alcançar e fixar-se no hospedeiro, ou quando elas morrem sem encontrar nenhum hospedeiro em potencial.

Em torno de 95% dos carrapatos em um sistema de produção de bovinos encontram-se na pastagem e estão nos estágios de ovos, larvas e/ou teleóginas (e somente 5% da população de carrapatos encontra-se parasitando os bovinos. Isso se torna um grande problema com relação ao controle desse ectoparasito, haja vista que as ações de combate ao R. (B.) microplus são destinadas apenas aos carrapatos fixos (fase parasitária) que representam a minoria da população.

O tempo entre a fixação da larva no hospedeiro até o estágio adulto, com consequente desprendimento das teleóginas, é, em média, de 21 dias. Algumas partes do corpo dos animais são mais infestadas, como barbela, entrepernas, úbere, região posterior e períneo, seja por causa da espessura da pele e temperatura, seja, também, para se proteger da autolimpeza pelos hospedeiros.

Tristeza Parasitária Bovina

O complexo de agentes patogênicos transmitidos pelos carrapatos é responsável pela A Tristeza Parasitária Bovina (TPB), doença que gera um impacto econômico, no Brasil, que pode ultrapassar US$ 500 milhões anuais. Essa doença, além de representar sério entrave à introdução de animais de áreas livres com o propósito de melhorar a qualidade genética dos rebanhos nacionais, é ainda importante causa de morbidade e mortalidade, especialmente de animais de raças taurinas (Bos taurus) e de seus cruzamentos.

O complexo TPB é constituído pela babesiose e pela anaplasmose, que podem ocorrer de forma isolada ou concomitante. No Brasil, o carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus é o mais importante transmissor da babesiose e é também apontado como um dos vetores biológicos potenciais de Anaplasma marginale, que parasitam eritrócitos de ruminantes, além, também, de moscas hematófagas (vetores mecânicos), agulhas hipodérmicas, transfusões de sangue e transplantes de embriões.

Na fase aguda, os possíveis sintomas são apatia, febre, anorexia, fraqueza, anemia e perda de peso, além de também relatados taquicardia, taquipneia e atonia ruminal. Nos casos de babesiose, os sinais clínicos são principalmente neurológicos e estão relacionados à locomoção, como andar cambaleante ou incoordenação – principalmente dos membros pélvicos com tremores musculares, agressividade e quedas com movimentos de pedalagem. Os sinais e os sintomas clínicos podem ser variáveis segundo a idade, a resistência imunológica, o estado nutricional e a raça. Em estágios mais avançados, podem ocorrer icterícia, geralmente associada à anaplasmose, e hemoglobinúria, na infecção por B. bigemina.

Prognóstico antecipado

O prognóstico dos quadros de tristeza parasitária está diretamente associado à fase de desenvolvimento da doença em que é realizado o tratamento. Mas, devido ao seu caráter agressivo, muitas vezes, não é possível aguardar o resultado laboratorial para iniciá-lo. Na realidade, o sucesso da terapia dependerá do diagnóstico precoce e do pronto tratamento do animal afetado.

O diagnóstico laboratorial é indispensável para confirmar o diagnóstico clínico e identificar o agente responsável. O método mais prático e mais usado é o esfregaço sanguíneo, no qual o sangue deve ser colhido na orelha ou na extremidade da cauda do animal (aconselha-se fazer, no mínimo, três lâminas por animal). Entre os testes sorológicos, pode-se optar pela imunofluorescência direta (IFI) e o teste de conglutinação rápida (TCR).

As tentativas de combate e controle dos parasitas são, na maioria das vezes, realizadas de forma incorreta. São fundamentadas no uso contínuo de produtos antiparasitários, com uso excessivo de aplicações por ano, aplicações em épocas erradas e uso desordenado de princípios ativos. Assim, tem-se um alto custo de produção, objetivos do controle não alcançados e, ainda, prejuízos mais sérios, como a seleção de organismos aptos a sobreviver ao efeito tóxico dos fármacos, potencializando a “famosa” resistência. Aliás, a resistência parasitária em bovinos demonstrada por parasitas internos e externos é atualmente, talvez, o maior entrave para a pecuária comercial nacional e em vários países de regiões e tropicais e subtropicais.

Prejuízos econômicos

As perdas potenciais da produção de gado de leite e de gado de corte provocadas por parasitas estão estimadas em US$ 13,96 bilhões por ano, sendo as verminoses gastrointestinais os principais causadores desses prejuízos, com US$ 7,11 bilhões, seguidas dos parasitas externos, como: carrapato-do-boi, com US$ 3,24 bilhões; mosca-dos-chifres, com US$ 2,56 bilhões; bernes, com US$ 0,38 bilhão; bicheiras e moscas-dos-estábulos, com US$ 0,34 bilhão cada um. Confirmando-se os altos valores destinados ao controle de parasitos, nos dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan – 2018), verificou-se que a comercialização de antiparasitários foi responsável por uma expressiva parcela do mercado brasileiro de produtos veterinários, com, aproximadamente, R$ 1,72 bilhão.

Dentre os prejuízos econômicos causados pelos carrapatos, vários podem ser citados, tais como:

lesões na pele com infecções causadas por bactérias secundárias ou miíases, o que leva à depreciação do couro;
perda de peso e redução da produção de leite decorrentes da intensa espoliação sanguínea e irritabilidade provocada em função de sua picada;
descarte de leite devido a resíduos de medicamentos veterinários;
elevados gastos com a compra de medicamentos veterinários acaricidas, equipamentos e mão de obra;
tratamento contra a Tristeza Parasitária Bovina (TPB), doença causada por um complexo de agentes patogênicos transmitidos pelos carrapatos;
morte dos animais.
 

Gustavo Máximo Martins
Médico-veterinário, trabalha no Departamento Técnico da Vet & Cia Matsuda

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