O ator norte-americano fala de sua dupla vida no mundo do cinema e do ativismo. Sua organização sem fins lucrativos, que nasceu após o terremoto do Haiti, uniu-se à luta contra a covid-19
Sean Penn, ao chegar à cerimônia de inauguração do Festival de Cannes em 2019.REUTERS
ROCÍO AYUSO / EL PAÍS
Los Angeles - 01 AGO 2020 - 13:22 BRT
De Sean Penn falam-se muitas coisas. Astro ganhador de dois Oscars de melhor ator (Milk e Sobre meninos e lobos), frequentemente resmungão e até beligerante, ator metódico (com tudo o que isso inclui), animal político e polêmico por excelência, além de grande sedutor. Mas hoje ele está simplesmente feliz, algo que diz em voz alta, em vez de murmurar por trás de um cigarro, seu tom habitual.
O cigarro continua presente e Penn, prestes a completar 60 anos, vive na sua casa em Los Angeles um regime de semiconfinamento como muitos outros nesta crise sanitária. Mas sua felicidade supera os obstáculos. “Meu remédio é a sorte que tenho”, confessa nesta videoconferência, rodeado de fotos pessoais e quadros que abarrotam as paredes e uma cozinha limpíssima ao fundo. “Meus filhos estão saudáveis, assim como minha mãe, de 92 anos, que mora a dois quarteirões daqui. Tenho uma casa que muitos não têm, e amanhã será outro dia”, resume esse otimista “pragmático”.
Sua felicidade tem outros motivos. A crise do coronavírus o surpreendeu quando tinha acabado de rodar seu próximo filme como diretor, Flag day, em que trabalha sua filha Dylan Penn, de 29 anos, fruto de seu casamento com Robin Wright. E sente a plenitude com seu último amor, a australiana Leila George, 28, filha dos também atores Vincent D’Onofrio e Greta Scacchi, com quem está junto há quatro anos.
Mas a verdadeira razão de seu bom humor se chama CORE, organização sem fins lucrativos que nasceu de seus esforços humanitários após o terremoto que assolou o Haiti em 2010 e que, nos últimos meses, uniu-se à luta contra a covid-19 nos Estados Unidos administrando mais de 900.000 testes gratuitos. “São as duas coisas que não sei se me confortam, mas que preservam minha mente clara: o bem-estar dos que me rodeiam e as ações de organizações como a CORE, que não podem dar conta de tudo mas que me mantêm em contato direto com 800 voluntários, que servem de inspiração e ajudam a lidar com as dificuldades e a fadiga destes dias repetitivos que vivemos”, confessa.
Vestindo uma camiseta que diz “Na verdade estou em Cuba”, Penn está ciente da ironia que existe por trás de seus esforços junto à CORE nos EUA. Ele, que foi criticado por seus laços com países como a ilha caribenha e a Venezuela e que ofereceu ajuda países devastados como as Bahamas e Porto Rico, agora é aplaudido por ajudar em seu país. “Isso não me surpreende porque os EUA são um dos países mais ricos do mundo na hora de cuidar dos ricos, mas não na hora de favorecer os pobres”, afirma.
“Funcionamos assim na política e como humanos, até que nos exijam outra coisa”, completa. E considera que este é o momento de exigir essa mudança. Não fala apenas de um Governo que nem cita pelo nome, sem mencionar o presidente Donald Trump uma única vez durante toda a conversa. Refere-se também à obrigação de todos, como cidadãos, de fazer o que está em nossas mãos. “Os testes são essenciais, mas as máscaras e o distanciamento social são ainda mais.” Igualmente essencial, diz, é o que ele pede ao Governo (federal e estatal): um fechamento similar ao estado de alarme declarado na Espanha nos piores momentos do contágio. “O sacrifício é necessário, e será bom para nós se a economia for fechada de verdade —esses 50% da economia que não são considerados essenciais, durante três semanas, junto com um verdadeiro exemplo de solidariedade em máscaras e distanciamento”, enfatiza.
Penn vive seu ativismo da mesma forma que seu cinema, com paixão e pressa. “Sou a mesma pessoa, canto a mesma canção, só que a percussão soa diferente”, descreve suas duas facetas principais. Inclusive compara sua maneira de trabalhar num filme com seu voluntariado, “embora neste haja muito mais coisas em jogo” —e prova disso é a inquietação que ele demonstra na entrevista. Nem seu aniversário, os temidos 60, parecem preocupá-lo. “Sempre me vi como um homem de 77, de modo que me restam 17”, brinca.
Por mais que ele diga, porém, e com toda a energia, o tempo e o dinheiro investidos na CORE (“que vai me fazer consultar o valor da minha coleção de relógios nas casas de penhores”, brinca, piscando o olho), nada lhe dá tanto prazer quanto o cinema. E nesse campo não é tão otimista. “Não sei se os cinemas poderão funcionar além das franquias, se virá um ressurgimento de algo que faça pensar, como aconteceu após a Guerra do Vietnã, ou se serei um dinossauro. Me apaixonei por uma sala escura onde compartilhava a mesma experiência artística com desconhecidos, algo que guardo comigo, como suas frases, e que não sei se voltará”, afirma.
Assim como ao caso da pandemia, no entanto, ele prefere não culpar ninguém. Que a análise de consciência seja coletiva. Não quer cair na preguiça ou no cinismo fácil que o façam pensar que o amanhã será tão ruim quanto o hoje. “Por isso me sinto sortudo, porque continuo trabalhando com minha atriz favorita, minha filha, todos os dias na sala de montagem. Uma grande sorte.”