Pandemia, coronavírus, Covid-19, vacina, lockdown: em qualquer comentário sobre política europeia atual é difícil escapar destas palavras. Elas podem aparecer na abertura, como aqui, no meio, ou no fim do comentário. Porém elas podem levar o comentarista e quem lê a outras paisagens. É o caso.
- Flávio Aguiar, de Berlim
- Confira a crônica desta semana do analista Flávio Aguiar, direto de Berlim.
A pandemia está provocando movimentos nas placas tectônicas da geopolítica europeia. As placas tectônicas são aquelas submersas nos oceanos sobre as quais se assenta a superfície dos continentes.
Na Europa há dois “espantalhos” recorrentes, que podem provocar calafrios tanto em governantes quanto no cidadão ou cidadã comum: China e Rússia.
A China é um “espantalho” econômico e político, acusado de querer dominar o mundo com seus produtos baratos, sua herança comunista e seu novo poderio capitalista, que se agiganta. Já a Rússia é um “espantalho” militar, provocando temores em todo continente, em particular nos países do antigo Leste Europeu, da órbita da finada União Soviética, da Ucrânia e Bulgária aos países bálticos: Lituânia, Letônia, Estônia, passando pela Hungria, Polônia, República Tcheca e muitos outros.
Pois bem, as águas profundas destes temores geopolíticos estão se agitando, ou melhor, deixando de se agitar tanto, como normalmente fazem. Motivo: com a escassez das vacinas produzidas pelos laboratórios de países do antigo Mundo Ocidental, países europeus estão se voltando para os similares russos e chineses, como já é o caso da Sérvia e da Hungria, governada esta pelo extrema-direita Viktor Orbán, e de países balcânicos.
A própria chanceler Angela Merkel, que ainda é o principal termômetro de referência da União Europeia, declarou recentemente que as vacinas russas e chinesas seriam bem-vindas, assim que forem aprovadas pelos organismos competentes da União Europeia e Vladimir Putin se mostra disposto a inundar a Europa e o mundo com a vacina Sputnik V, além de outras. A China faz o mesmo, com suas três vacinas.
China, o "espantalho indispensável"
Além disto, se a China ainda é um “espantalho” econômico, em 2020 ela se tornou o principal parceiro comercial da União Europeia, desbancando os Estados Unidos: tornou-se um “espantalho indispensável”.
Quanto aos Estados Unidos, depois da queda do também “espantalho” Donald Trump, vê-se um movimento aberto de aproximação por parte da União Europeia, que convidou aquele país e o Irã a voltarem para a mesa de negociação sobre o acordo nuclear. O porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, sinalizou que seu governo aceitaria voltar às negociações, enquanto Teerã reitera que é necessário negociar também as sanções econômicas impostas por Washington ao Irã.
O que se pode dizer de tudo isto é que a União Europeia está tentando voltar a um papel de protagonismo na geopolítica regional e mundial. Mas ainda é cedo para fazer profecias sobre os resultados destes movimentos. Eles dependem de muitos fatores.
Eis um, econômico e político: a Rússia libera os planos para construir mais um gasoduto, o Nordstream 2, unindo a região de São Petersburgo, ainda chamada (a região - oblast, em russo) de Leningrado, ao norte da Alemanha. Os Estados Unidos se opõem ao projeto, bem como outros países da região do Báltico, que temem a influência e o peso de Moscou. A chanceler Angela Merkel está se reunindo com o presidente Biden, e deve tratar do caso.
Por falar na chanceler Angela Merkel, que apontei como o principal termômetro da União Europeia, vai deixar o cargo a partir do segundo semestre deste ano, quando há eleições federais na Alemanha. O que vai acontecer a partir daí? Impossível dizer agora.