O fortalecimento da parceria entre o Brasil e o Líbano e a aprovação do tratado de livre comércio entre o país árabe e o Mercosul foram algumas das defesas feitas por senadores e debatedores durante audiência pública da Comissão de Relações Exteriores (CRE), nesta quinta-feira (23). Os participantes destacaram que o Líbano enfrenta hoje uma das piores crises econômicas e sociais da história do país e precisa de ajuda humanitária internacional para superar a falta de recursos como financeiros, de alimentos e medicamentos.
Durante o debate, os senadores sugeriram a criação de um grupo de trabalho, no âmbito do Senado, para que sejam estudados e viabilizados projetos de auxílio humanitário ao país. Há na Casa parlamentares com origem libanesa, como os senadores Esperidião Amin (PP-SC), Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE), que estiveram presentas à audiência.
— Quem sabe como contribuição nós possamos estar realmente conversando e tentando ajudar, através do Senado Federal, que esse acordo de Livre Comércio do Líbano com o Mercosul possa sair o mais rápido possível. Talvez seja a hora. Às vezes, é no momento de grandes crises que a gente abre portas, que a gente quebra a burocracia, que a gente rompe aquela coisa — necessária no estado democrático de direito —, mas, que nos momentos de exceção, a própria Constituição permite quebrar regras dentro dos limites da Constituição — defendeu Simone Tebet.
De acordo com o embaixador do Brasil junto à República Libanesa, Hermano Telles Ribeiro, as negociações para viabilizar o acordo de livre comércio entre o Líbano e o Mercosul estão avançadas entre os quatro países que compõem o bloco (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
— Já há uma harmonia para que possamos caminhar para o desfecho desse acordo — garantiu.
Um dos senadores que sugeriu a audiência, Esperidião Amin, lembrou que há no Brasil mais libaneses do que no próprio país de origem. Atualmente, são cerca de 10 milhões enquanto a população do Líbano é de pouco mais de seis milhões. Ele disse que este é o momento para se abordar uma nova forma de parceria, principalmente levando em consideração o intercâmbio de conhecimento, com vistas a auxiliar na reestruturação das famílias.
— Há uma fortíssima participação de libaneses nos mais diversificados ramos da medicina no Brasil. Então isso é uma parceria que vai crescer na medida em que nós cheguemos a uma espécie de pacificação na região. Porque junto com a restauração de imóveis, de prédios, de obras, vem também a reabilitação das pessoas traumatizadas.
A mesma opinião expressou o jornalista e comentarista de política internacional, Guga Chacra. Ele, que também é libanês, destacou que 80% do que é consumido pelos libaneses vem de fora e o “único produto de exportação” do país é a diáspora. Na sua visão, a maior colaboração desses imigrantes seria a organização e mobilização, principalmente daqueles em posições estratégicas como na política, para enviar ajuda humanitária como a de mantimentos e também de conhecimento.
Fundo privado
A senadora Kátia Abreu (PP-TO) apresentou como sugestão para reflexão do grupo de trabalho o uso da telemedicina como ferramenta para troca desse conhecimento. Ela ainda apresentou como ideia a criação de um Fundo de Descendentes de Libaneses no Brasil, criado a partir da inciativa privada, para que possa bancar uma espécie de “renda básica” para as famílias libanesas assim como é o programa Bolsa Família aqui no Brasil.
— Eu tenho certeza que a comunidade sírio-libanesa em São Paulo e em todo o Brasil poderia se mobilizar. Vamos atingir uma meta de “x” famílias, é o que damos conta de fazer. Quanto para cada uma delas? E nós implementaríamos então um sistema brasileiro do cartão do Bolsa Família, que é o saque, lá, para que eles possam comprar o produto lá diretamente — detalhou.
A encarregada de Negócios da República do Líbano para o Brasil, Carla Jazzar, ressaltou que o país precisa urgente de auxílio para aquisição de alimentos, medicamentos, além de investimentos para projetos que possibilitem as reformas dos setores de energia, bancário, de infraestrutura e de todos os setores de produção. Nesse sentido, ela reforçou a ideia de o Congresso Nacional incentivar a criação do fundo de auxílio ao Líbano.
— Assim, sugiro a criação do fundo criado pela comunidade libanesa no país e pelos brasileiros de origem libanesa. Nossa iniciativa é muito simples: identificar comunidades, áreas, negócios locais, fornecer apoio técnico, financeiro, tecnológico e investir em projetos de desenvolvimento setoriais a partir desse fundo.
Já o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), também um dos autores do requerimento para a realização do debate, fez um apelo ao Ministério das Relações Exteriores no sentido de criar um observatório “de ajuda humanitária ao Líbano, incluindo a coleta de informações de grupos e organizações não governamentais” para subsidiar o Brasil e seus atores nessa relação de cooperação humanitária.
Entre algumas ações e projetos de cooperação humanitária desenvolvidos pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), o embaixador Ruy Pereira, que preside a instituição, citou o repasse de US$ 129 mil para auxílio da área de saúde, além do envio de 4,4 toneladas em doações compreendendo medicamentos, respiradores, alimentos e insumos.
Novo governo
O pesquisador de Harvard e Senior Fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Hussein Kalout ressaltou que mesmo com a formação de um novo governo, composto pelo presidente Michel Aoun e o primeiro-ministro nomeado, Najib Mikati, a equipe se configura nos “velhos conhecidos da política libanesa”, que segundo ele, reforçam a corrupção endêmica na região. Para Kalout, a superação da crise no país também passa pelo combate dos grupos políticos corruptos e a criação de um sistema jurídico transparente.
— É difícil superar o problema socioeconômico enquanto não se procurar dirimir o problema da corrupção, do clientelismo, e não construir um Poder Judiciário transparente e independente. Vai depender de uma nova geração para que haja esse processo de transição — enfatizou.
Crise
A crise no Líbano se agravou após uma explosão, no porto de Beirute, em 4 de agosto de 2020, que provocou mais de 200 mortes e devastou bairros inteiros da capital. Após o ocorrido, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 25% e a inflação subiu 88%. A moeda local desvalorizou-se 85% desde o ano passado e, hoje, 100% da população depende, em algum nível, de ajuda humanitária para viver.
Fonte: Agência Senado