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STF protege democracia do Brasil contra ataques golpistas de Bolsonaro, diz Le Monde


Em artigo, o jornal Le Monde destaca o papel do STF na proteção da democracia no Brasil contra os ataques do presidente Jair Bolsonaro. Mas especialistas entrevistados defendem que seria necessária uma discussão mais profunda sobre o lugar que ocupa o sistema judiciário no Brasil.

Texto por: RFI   5 min

“Sabíamos que os brasileiros adoravam novelas e jogos de futebol, mas há algum tempo, um novo e curioso divertimento faz furor na telinha nacional: as retransmissões ao vivo dos julgamentos do austero Supremo Tribunal Federal”, diz o texto do jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente no Rio de Janeiro, publicado na sexta-feira (15) no site do jornal e domingo (17), na versão impressa. Ele explica que a instituição adquiriu um peso considerável e se apresenta como o “bastião da democracia brasileira” contra as “pulsões golpistas do presidente Jair Bolsonaro”.


O artigo expõe os vários decretos presidenciais que foram suspensos, censurados ou anulados pelos juízes do Supremo, como a transferência para o ministro da Agricultura de competências na demarcação de terras indígenas, a liberalização do porte de armas, além de inquéritos judiciais que têm como alvo Bolsonaro.


O jornal cita a investigação sobre as “fake news”, a difusão massiva de falsas informações e ameaças contra o próprio STF, a das milícias digitais da extrema direita “contra a democracia brasileira” e a do voto eletrônico.


De acordo com Le Monde, a instituição foi o bode expiatório das grandes manifestações de 7 de setembro, organizadas pelo governo. O STF teria sido, para os manifestantes, “infiltrado” por “comunistas” que buscam instaurar uma “supremocracia” ou “ditadura das togas”.




“Seu poder, imenso, não é resultado de uma usurpação, mas da estrutura própria à Constituição de 1988”, insiste Oscar Vilhena Vieira, diretor da faculdade de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entrevistado pelo jornal. O texto “trata de economia, política, de moral. Todos temas centrais de nossa sociedade foram constitucionalizados. Por isso a jurisdição do STF é sistematicamente solicitada”, acrescenta.


Posições que evoluem


De acordo com o artigo, apesar de sete entre os 11 juízes terem sido nomeados por presidentes de esquerda, é difícil definir a tendência política da mais alta instância judiciária do Brasil. “O posicionamento (dos juízes) é menos nítido que nos Estados Unidos, onde a Suprema Corte se divide claramente entre progressistas e conservadores. Suas posições evoluem com o tempo e segundo as circunstâncias”, analisa Fernando Fontainha, que pesquisa sobre magistrados e é professor da Universidade estadual do Rio de Janeiro.


 “O caso de Lula é um exemplo. Os juízes que apoiaram a operação Lava-jato, aprovando a prisão do ex-presidente em 2018, recuaram antes de pronunciar sua liberação em 2019, depois inocentá-lo em 2021”, afirma.


De acordo com o jornal, o Supremo defende ciosamente sua independência e suas prerrogativas. “Falar de ‘ditadura de togas’ é totalmente exagerado. O Brasil é uma democracia sólida, e nós estamos em uma posição de cooperação. As demandas de fechamento do STF são antes de tudo um pretexto para esconder as enormes dificuldades do poder atual na gestão da crise da pandemia. Nós servimos de bode expiatório”, diz a Le Monde Gilmar Mendes.


Apesar de seu papel na defesa da democracia, a instituição não é popular. Segundo pesquisa do Datafolha citada pelo jornal, somente 24% dos brasileiros considera “boa ou excelente” a ação dos 11 magistrados de Brasília.


“O STF é observado, respeitado, ouvido por todos, mas não tem a capacidade de implicar a população. Os juízes não são eleitos pelo sufrágio universal e eu não os imagino à frente de uma ação heroica de resistência em caso de golpe”, analisa Michael Mohallem, especialista em direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas.


Instâncias de "contrapoder"


Para isso, o jornalista cita outras possíveis "instâncias de contrapoder". Uma delas seria o Congresso, já que cabe somente a ele votar o “infame impeachment”.


“No entanto, diante de Bolsonaro, o Congresso faz uma resistência mais tímida que o STF”, graças aos acordos feitos pelo presidente com o centrão “que reúne uma dezena de partidos políticos oportunistas, sem ideologia e corruptos, que domina o Congresso”, e às subvenções parlamentares desembolsadas pelo governo de aproximadamente 41,1 milhões de reais, “um recorde na história da jovem República brasileira”.


O Senado se mostra mais ativo e em abril “autorizou a criação de uma comissão de investigação parlamentar sobre a gestão da pandemia de Covid-19, que expõe as aberrações, o despreparo e as suspeitas de corrupção que pesam sobre o governo Bolsonaro”, afirma.  


Para o jornal, a última instância seriam os governadores dos 26 estados e do Distrito Federal, que “dispõem de poderes amplos”, afirma, “em particular em matéria de segurança, infraestruturas, educação e de saúde pública.” Foram justamente nestas áreas que o STF autorizou os governadores a agir durante a pandemia. Mas contra os governos locais, Bolsonaro contaria com a polícia militar, cujos “membros são normalmente partidários entusiastas do atual chefe de Estado, ex-militar”.


O STF seria então a principal força de resistência contra Bolsonaro, que desenvolve estratégias para contornar a instituição. Aproveitando da aposentadoria de vários juízes, o presidente tenta nomear um de seus colaboradores próximos à instituição. No final de 2020, pela primeira vez ele impôs a candidatura de Kassio Nunes Marques e indicou o pastor presbiteriano André Mendonça, ex-ministro da Justiça e de Segurança Pública e ex-Advogado Geral da União.


“’Felizmente que ele (STF) existe hoje para proteger a democracia’”, diz Fontainha, “mas a longo prazo, uma discussão mais profunda é necessária sobre as atribuições desta instituição e, de maneira mais geral, sobre o lugar desmesurado que ocupa o sistema judiciário no Brasil”, conclui.

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