Texto por: RFI
A presença policial e a prisão de líderes da dissidência cubana impediram a realização de uma grande manifestação prevista na segunda-feira (15) pela libertação de presos políticos, proibida pelas autoridades. O governo cubano declarou se tratar de uma "operação fracassada" dos Estados Unidos. Já Washington denunciou uma manobra para "silenciar" os manifestantes.
Vários líderes da dissidência foram presos, incluindo Manuel Cuesta Morua, vice-presidente do Conselho para a Transição Democrática. A esposa dele, Nairobi Suárez, contou como Morua foi detido:
“Era uma da tarde, nós saímos para a manifestação e ele foi abordado na saída de casa. Um policial da segurança do Estado o colocou dentro de uma viatura. Não sabemos para onde o levaram, estou sem notícias. Só me resta esperar para ver o que acontece. Estão nos ameaçando constantemente. Eu também já estive presa por 24 horas. Sempre ameaçam nos prender, dizem que vamos desaparecer. O governo cubano está acostumado a fazer isso com todos os opositores.”
Nas redes sociais, alguns cubanos postaram fotos suas vestidos de branco, como pedia a convocação do protesto, mas a grande manifestação planejada não aconteceu. Muitos policiais uniformizados e à paisana rondavam as ruas de Havana.
O ministro das Relações Exteriores cubano, Bruno Rodriguez, zombou de uma "operação fracassada" dos Estados Unidos para desestabilizar Cuba por meio dessa manifestação pela libertação de presos políticos.
“Aparentemente, alguns dos meus colegas em Washington se vestiram à toa, para a festa que não aconteceu”, brincou ele em um vídeo postado no Facebook.
A Casa Branca reagiu denunciando as manobras do governo cubano para "silenciar" os manifestantes pacíficos, em particular pela prisão de opositores que se reuniram em Havana e em seis províncias.
O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, lamentou as “prisões” e “técnicas de intimidação” das autoridades de Havana. “Os Estados Unidos estão empenhados em apoiar as ações dos cubanos que buscam promover a transição democrática”, continuou, pedindo ao governo cubano para não usar a violência contra os dissidentes.
O apelo ao protesto coincidiu com a reabertura da ilha ao turismo e o retorno dos alunos às escolas após meses de fechamento devido à pandemia do coronavírus.
"Campanha contra Cuba"
O presidente Miguel Diaz-Canel, que participou da volta às aulas em uma escola no oeste de Havana, denunciou no domingo a intenção de "perturbar a ordem interna" e uma "campanha da mídia contra Cuba".
As autoridades proibiram a manifestação e ameaçaram os organizadores - o grupo de debates políticos Arquipélago, no Facebook, que tem 37 mil seguidores em Cuba e no exterior - com sanções penais.
A líder do movimento Damas de Branco, Berta Soler, e seu marido, o ex-prisioneiro político Angel Moya, também foram presos.
A historiadora da arte e ativista Carolina Barrero, impedida de deixar sua casa por 200 dias, também foi presa, disse o movimento dissidente 27N, do qual ela faz parte.
Outra figura da oposição, Guillermo Fariñas, está detido desde sexta-feira. Muitos dissidentes, organizadores de protestos e jornalistas independentes disseram que foram bloqueados em suas casas pela polícia.
Vários deles afirmaram que foram submetidos a atos de repúdio - reuniões de moradores usadas durante décadas para criticar publicamente os dissidentes - ou a corte de internet.
Crise econômica
“Se não me deixarem sair hoje, farei amanhã, ainda mais convicta e decidida”, prometeu via Twitter Saily Gonzalez, que convocou manifestações em Santa Clara (centro), mas não pôde sair de casa.
O dramaturgo Yunior Garcia, 39, fundador do Arquipélago e liderança de uma nova geração de dissidentes estimulada pelo surgimento das redes sociais, também foi impedido de sair de casa na segunda-feira por agentes à paisana, observou um jornalista da AFP.
No dia anterior, ele tinha planejado desfilar sozinho, com uma rosa branca na mão, mas foi impedido pela presença da polícia, que cercou o prédio onde vive. O apelo ao protesto veio quatro meses depois dos protestos espontâneos e históricos de 11 de julho, que deixaram um morto e dezenas de feridos.
Das 1.270 pessoas detidas, 658 continuam presas, segundo a ONG Cubalex, mídia independente cubana que citou as penas exigidas de até 30 anos de prisão. O país vive sua pior crise econômica em quase 30 anos, com grande escassez de alimentos e medicamentos.
O descontentamento social está crescendo e o confronto está no auge entre defensores e críticos do governo. Na segunda-feira, a França pediu ao governo que "garanta o direito do povo cubano de se reunir e se manifestar pacificamente".
No dia anterior, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, fez um apelo para que fossem respeitados "os direitos dos cubanos, permitindo que eles se reunissem pacificamente". Por sua vez, o presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador expressou sua admiração pela “arrogância” de Cuba, país “livre e independente”.