A três dias do fim da COP26, os negociadores dos 196 países reunidos em Glasgow (Escócia) já correm contra o tempo para destravar questões cruciais da conferência, principalmente o aumento dos cortes de emissões de gases de efeito estufa e do financiamento para os países mais pobres. Na madrugada desta quarta-feira (10), foi divulgado o primeiro rascunho do documento final, discutido na plenária.
Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Glasgow
O texto inclui um trecho no qual os países se comprometem a revelar novos compromissos para limitar o aquecimento do planeta já em 2022, três anos antes do que estava inicialmente previsto. A pressão aumenta também sobre os países em desenvolvimento, que poderiam ser forçados a revisar os seus compromissos no mesmo ritmo que os desenvolvidos.
A pressa ocorre porque os objetivos prometidos até agora são insuficientes para limitar uma alta de temperatura inferior a 2°C até o fim deste século, considerado o limite para que as consequências climáticas sejam menos catastróficas para o planeta. A meta ainda mais ambiciosa, de limitar o aquecimento a 1,5°C, já é considerada quase impossível de ser cumprida, no ritmo atual de emissões mundiais de CO2.
Um relatório divulgado na terça-feira (9) pela Climate Action Tracker afirmou que as promessas de redução de emissões até 2030 acertadas até agora levariam a uma elevação de 2,4°C dos termômetros, em relação ao período pré-industrial. Os cientistas advertem que essa nova realidade significaria uma maior frequência e intensidade de fenômenos climáticos extremos, como enchentes, incêndios e furacões, além da alta do nível do mar.
“A gente ainda está muito longe do que a gente deveria estar, então achei o texto bastante positivo porque cria mais uma oportunidade para os países aumentarem a sua ambição”, analisa Stela Herschmann, especialista em negociações climáticas do Observatório do Clima.
Para os países conseguirem atingir metas mais ambiciosas, o rascunho – revelado pelo presidente da COP26, o britânico Alok Sharma – propõe a aceleração da transição energética, com o abandono progressivo do uso de energias fósseis, em especial o carvão, altamente poluente. Mesmo com a pandemia de coronavírus, os índices globais em 2021 gerados pela energia devem voltar ao patamar anterior ao aparecimento da Covid-19, com um aumento de 4,9%, puxado principalmente pela retomada das atividades na China, que ainda utiliza intensamente o carvão na sua matriz energética.
Financiamento insuficiente
Para dezenas de países em desenvolvimento, entretanto, a transição energética só será possível com financiamento externo. A ONU reconhece que os países industrializados, maiores responsáveis históricos pelo aquecimento global, têm a obrigação de bancar a conta da crise climática. Mas a promessa firmada no Acordo de Paris, de US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020, sequer foi cumprida – e já é vista como insuficiente.
“Além do financiamento, que está bastante travado, o texto também tem questões importantes como o reconhecimento dos povos indígenas e da juventude neste debate”, ressaltou Hershmann, à RFI. “Dificilmente o texto ficará assim até o fim da conferência, conforme andarem as negociações. Ele pode sofrer muitas transformações até sexta.”
Posição do Brasil
O primeiro rascunho da declaração final é revelado no décimo dia da COP26, agora que a conferência encontra-se na chamada fase de alto nível, com as delegações encabeçadas pelos ministros dos países. O brasileiro Joaquim Leite, à frente da pasta do Meio Ambiente, advertiu nesta terça que “nem sempre a gente cede alguma coisa” na negociação e que o Brasil já atualizou a sua NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) no início da conferência. A nova meta de redução de emissões passou de 43% para 50% até 2030, em relação aos índices de 2005 – que foram, também atualizados para cima, o que na prática limita o efeito do anúncio.
“É importante que o mundo venha na mesma direção que o Brasil já tem, de políticas de redução de emissões de desmatamento e redução de emissões, tanto na atividade industrial quanto na atividade agropecuária”, disse Leite. “O Brasil contribuiu sendo mais ambicioso nos primeiros dias e colocando pressão agora aos países mais emissores que o Brasil. Falta mais ambição financeira dos países industrializados”, frisou.