Por: Adriana Brandão / RFI
A Semana de Arte Moderna, cujo centenário é celebrado neste momento, é um marco da história cultural brasileira. Qual foi o eco desse movimento modernista brasileiro na França? Para a historiadora francesa Anais Fléchet, o evento passou a sintetizar “todas as trocas culturais da década de 1920” entre a França e o Brasil.
Anaïs Fléchet é professora da Universidade de Versailles Saint-Quentin em Yvelines. Ela é autora de vários livros e ensaios sobre as relações culturais entre o Brasil e a França, entre eles “Histoire Culturelle du Brésil” (IHEAL, 2019) e “Villa-Lobos à Paris: un echo musical du Brésil” (l’Harmattan, 2004). O músico brasileiro foi um dos vários modernistas que vieram passar uma temporada na capital francesa logo após a realização Semana de Arte Moderna, há cem anos.
O evento paulista buscava romper com os modelos culturais europeus para criar uma cultura genuinamente brasileira. Mas foi paradoxalmente em Paris “umbigo do mundo”, que os modernistas brasileiros “descobriram, deslumbrados, a sua própria terra", segundo a famosa frase de Paulo Prado sobre Oswald de Andrade.
Villa-Lobos não foi exceção e “se descobriu brasileiro e reinventou o nacionalismo musical” em Paris. Anaïs Fléchet explica que as composições que Villa-Lobos apresentou na Semana eram ainda “muito inspiradas em uma estética francesa do início do século 20, muito inspiradas no Debussy. A grade ruptura estética na obra dele aconteceu depois da Semana”.
Entre 1923 e 1930, Villa-Lobos passa duas longas temporadas na capital francesa. “Foi nesse vai e vem entre o Rio de Janeiro e Paris que ele criou uma nova estética muito mais assumida como brasileira. Claro que já tinha elementos disso na produção anterior dele, mas o evento catalisador não foi a Semana de Arte Moderna, mas a chegada em Paris logo depois em 1923”, aponta a historiadora.Vanguardas artísticas
Paris era nos anos 1920 a capital cultural do mundo e das vanguardas. “O movimento modernista se constrói como muito brasileiro, muito paulistano, mas ao mesmo tempo é um movimento que se insere numa história transnacional, global, das vanguardas artísticas. E nesse momento, o lugar onde as pessoas tinham que estar era Paris.”
A historiadora ressalta que outro elemento muito importante na época foi o impacto da Primeira Guerra Mundial. “Os franceses buscavam outras experiências. É como se a civilização francesa, a civilização europeia, tivesse morrido nas trincheiras. Tinha um apelo, uma busca de novos horizontes que se manifestou no primitivismo, por exemplo, que estava muito na moda.”
Maior visibilidade da cultura brasileira
Os anos 1920 foram um momento importante para a cultura brasileira na França. “Antes da década de 20, a cultura brasileira era muito pouco conhecida na França. O Brasil era frequentemente confundido com a Argentina. Os franceses não sabiam onde ficava o país e sabiam muito menos sobre cultura brasileira. Tinha uma visão muito estereotipada e o modernismo ajudou a mudar essa representação, ao revelar obras de artistas brasileiros que estavam aqui, como Tarsila do Amaral, que trabalhou com Fernand Léger.” Outro artista brasileiro importante que marcou presença em Paris foi Di Cavalcanti.
Anaïs Fléchet aponta que “a visão dos franceses na década de 20 era modelada por um paradigma primitivista. O que interessava os franceses era o outro, era a cultura indígena, as tradições afro-brasileiras, toda essa parte da cultura brasileira que os modernistas revalorizaram. Foi um pouco essa aproximação entre cultura erudita e cultura popular, essa ideia da mestiçagem ou da antropofagia cultural, que atraiu os franceses na época e durante muito tempo depois aliás”.
Para a historiadora, a Semana de Arte Moderna acabou se transformando também em um marco das relações culturais entre a França e o Brasil.
“Não teve repercussão imediata, não foi um marco em 1922, mas com o passar do tempo virou um marco, um lugar de memória. É como se a semana tivesse sintetizado todas as trocas culturais da década de 1920. (...) Um momento importante entre a afirmação do modernismo brasileiro, afirmação de uma arte nacional, brasileira de verdade, e a busca de uma alteridade, de novos horizontes culturais do outro que era muito forte na França daquele período”, conclui Anaïs Fléchet.