O porto estratégico no sudeste da Ucrânia, alvo de intensos bombardeios, está cercado pelas tropas russas. A segunda tentativa de retirada de civis de Mariupol foi interrompida, anunciou neste domingo (6) a Cruz Vermelha. Neste 11° dia de guerra, os confrontos seguem intensos em várias regiões do país e o presidente ucraniano advertiu que a cidade estratégica de Odessa pode ser alvo de bombardeios.
Em sua página no Facebook, o exército ucraniano informou que concentra seus "esforços para defender a cidade de Mariupol". O porto estratégico no Mar de Azov está há vários dias sob intenso cerco russo, sem energia elétrica, água e alimentos. Várias tentativas de retirar os civis foram suspensas por violações do cessar-fogo.
A perda de Mariupol representaria um ponto de virada na guerra porque permitiria à Rússia unir as tropas que avançam a partir da península da Crimeia - anexada por Moscou em 2014 - com as forças que entram no país a partir da região separatista de Donbass, no leste do país.
Neste domingo, as autoridades ucranianas de Mariupol anunciaram que negociaram com os russos um novo cessar-fogo e o início da retirada da população civil ao meio-dia (7H00 de Brasília). Poucas horas depois, no entanto, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) informou que a retirada foi "interrompida".
"Em meio a cenas devastadoras de sofrimento humano em Mariupol, hoje foi interrompida a segunda tentativa de retirar quase 200.000 pessoas da cidade", afirmou o CICV em um comunicado.A primeira tentativa de abrir um corredor humanitário para permitir que os civis desta cidade de 450.000 habitantes, bombardeada há vários dias pelos russos e seus aliados dos territórios separatistas da região de Donbass, fracassou no sábado (5). Rússia e Ucrânia voltam a trocar acusações sobre desrespeito aos compromissos assumidos. O prefeito da cidade, Vadim Boitchenko, afirmou em uma entrevista publicada no YouTube que "Mariupol não existe mais" e que há milhares de feridos.
O presidente russo, Vladimir Putin, acusou as autoridades ucranianas de prejudicar as operações humanitárias de retirada de civis de Mariupol, durante uma conversa telefônica neste domingo com o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron.
“Corpos por todos os lados”
Mais ao norte, em Kiev, os bairros operários nas proximidades da capital, como Bucha e Irpin, são alvo de ataques aéreos que convenceram muitos moradores a fugir. "Eles estão bombardeando áreas residenciais, escolas, igrejas, prédios, tudo", lamentou a contadora Natalia Didenko.
Em Bilohorodka, quase na periferia da capital, as tropas ucranianas colocaram explosivos na última ponte que permanece de pé e pode ser destruída a qualquer momento para tentar frear a ofensiva russa. "Esta é a última ponte, vamos nos defender e não vamos permitir que cheguem a Kiev", afirmou um combatente que se identificou apenas como "Casper".
Em Chernihiv, cidade próxima da fronteira com Belarus e Rússia, dezenas de civis morreram. "Havia corpos por todos os lados. As pessoas estavam esperando para entrar na farmácia e agora estão todas mortas", disse, em meio ao barulho das sirenes de alerta, Serguei que preferiu não revelar seu sobrenome.
Apesar dos testemunhos e das cenas de devastação verificadas no local por jornalistas, Moscou insiste que não ataca áreas civis.
Ataque iminente a Odessa
As tropas russas se preparam agora para bombardear Odessa, principal porto do país, situado no Mar Negro, advertiu neste domingo o presidente ucraniano. A cidade portuária, de quase um milhão de habitantes, é estratégica. As tropas russas avançam em direção a Odessa a partir do sul do país.
"Os russos sempre visitaram Odessa e foram bem recebidos. E agora enviam bombas, artilharias e mísseis contra Odessa. Será um crime de guerra, um crime histórico", disse Volodymyr Zelensky.
Pouco depois, o presidente ucraniano anunciou que ataques russos com mísseis destruíram neste domingo o aeroporto de Vinnytsia na região central da Ucrânia. A cidade de 370 mil habitantes fica a 200 quilômetros ao sudoeste da capital Kiev.
Ucrânia pede aviões
Zelensky também criticou os países ocidentais por sua recusa a impor uma zona de exclusão aérea na Ucrânia e não fornecer aviões de combate à Força Aérea ucraniana. "Repetimos todos os dias: fechem o espaço aéreo da Ucrânia aos mísseis russos, aos aviões de combate russos e a todos estes terroristas", disse o presidente.
"Somos humanos e é seu dever humanitário nos proteger", acrescentou Zelensky. "Se não fizerem isto, se não entregarem aviões para nos proteger, só podemos chegar a uma conclusão: vocês também querem que nos matem lentamente", denunciou.
A Ucrânia insiste em pedir o aumento da ajuda militar por parte dos países ocidentais, incluindo a entrega de caças. O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, que está neste domingo na Moldávia, afirmou que os Estados Unidos "trabalham ativamente" para fechar um acordo com a Polônia sobre o envio de caças à Ucrânia.
Países ocidentais enviaram armas, munições e recursos a Kiev. Na semana passada, Washington autorizou uma entrega recorde de material militar avaliado em US$ 350 milhões. Mas os aliados da Otan rejeitaram, até o momento, o pedido do presidente Zelensky para o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea na Ucrânia. A Otan alega que tenta evitar um agravamento imprevisível do conflito.
Vladimir Putin advertiu que se uma zona de exclusão aérea for imposta, haverá "consequências colossais e catastróficas não apenas na Europa, mas em todo o mundo". O presidente russo disse que os países que tomarem uma decisão nesse sentido seriam considerados pela Rússia como "participantes no conflito armado”.
Sanções
A lista de sanções impostas pelo Ocidente em represália à invasão russa aumenta a cada dia. No sábado, as multinacionais americanas de cartões de crédito Visa e Mastercard suspenderam as operações na Rússia. Em um sinal de que a estratégia começa a afetar a Rússia, o governo de Moscou prevê um racionamento devido à preocupação com o possível surgimento de um mercado clandestino. Putin criticou as sanções como "uma forma de guerra contra a Rússia".
Os esforços diplomáticos, apesar de darem poucos resultados até agora, são intensos. O presidente Zelensky conversou neste domingo por telefone com o presidente americano Joe Biden.
O francês, Emmanuel Macron, voltou a conversar com Vladimir Putin na tentativa de mediar a crise na Ucrânia. O telefonema durou quase duas horas. Segundo a presidência francesa, o líder russo reiterou que alcançará "seus objetivos" na Ucrânia "pela negociação ou pela guerra".
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan também tenta atuar como mediador. Em telefonema a Putin neste domingo, ele pediu “um cessar-fogo geral e urgente na Ucrânia”, segundo um comunicado da presidência turca. Já o primeiro-ministro israelense, Naftali Bennet, que esteve no sábado em Moscou, afirmou que as chances de sucesso das tentativas para pôr fim ao conflito são pequenas, mas que “tem um dever moral de continuar a mediação entre russos e ucraniano”.
Drama humanitário
O papa Francisco fez um apelo para a instauração de "verdadeiros corredores humanitários" para ajudar os civis na Ucrânia. Onze dias após o início da invasão, 1,5 milhão de pessoas já fugiram da Ucrânia, segundo a ONU, que considera o atual êxodo "a crise de refugiados de crescimento mais rápido na Europa desde a Segunda Guerra Mundial".
A guerra na Ucrânia tem consequências econômicas não apenas na Rússia. O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que os impactos seriam "ainda mais devastadores" em caso de intensificação do conflito. A principal consequência imediata foi o aumento do preço dos combustíveis, pois a Rússia é o terceiro maior exportador do petróleo bruto do mundo.
(Texto por: RFI / Com informações da AFP)