Sam Sataré Mawé, Tukumã Pataxó, Val Munduruku e Thaline Karajá integram grupo de indígenas da Amazônia que veio à Europa denunciar violações dos seus territórios. © Lúcia Müzell/ RFI
Um grupo de indígenas de várias etnias da Amazônia está na Europa para pedir ‘socorro’, depois que os resultados do primeiro turno das eleições no Brasil apontaram um segundo turno apertado entre o atual presidente, Jair Bolsonaro, e o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Apoiados por organizações ambientalistas francesas, o grupo participa de eventos em Paris e em Bruxelas, onde fica a sede da Comissão Europeia.
Os indígenas querem chamar a atenção para as violações dos seus direitos, como invasões de terras demarcadas, aumento do desmatamento, da contaminação dos rios e dos assassinatos, e exigir ações dos europeus para pressionar o governo brasileiro a protegê-los. Um dos principais eixos de ação é pelas relações comerciais, a exemplo do projeto que tramita nas instâncias europeias para proibir o chamado “desmatamento importado” no bloco – ou seja, interditar a compra de produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente em outros países externos à União Europeia.
“Mexer na economia é o primeiro passo para cobrar do Brasil que ele tenha compromisso com as nossas pautas socioambientais e tenha responsabilidade. Os nossos direitos precisam ser garantidos de fato, não só no papel”, disse Val Munduruku, que veio do Pará e participou de uma conferência na manhã desta quinta-feira (13).
"A gente precisa, muitas vezes, ter que sair do nosso país, como a gente está fazendo agora, para levar a nossa luta a um patamar que as pessoas conseguem escutar. Dentro do nosso país, na grande maioria das vezes, a gente não tem um espaço de fala”, lamenta Tukumã Pataxó, da Bahia.
Batalhas no Congresso
Sam Sataré Mawé, do Amazonas, lembra que, das cerca de 30 candidaturas indígenas para a Câmara e o Senado, apenas duas candidatas conseguiram um assento para defender os direitos dos povos originários – Sônia Guajajara e Célia Xacriabá. O perfil mais conservador do Congresso recém-eleito promete tornar ainda mais difícil a luta dos indígenas contra projetos de lei como o PL 490, relativo ao marco temporal, o PL 2633, que facilita a grilagem em terras indígenas, e o PL191, que abre caminho para a mineração. Neste contexto, a possibilidade de reeleição de Bolsonaro, no dia 30 de outubro, é vista como uma ameaça ainda maior.
“Se ele for reeleito, é como se o próprio povo brasileiro estivesse assinando um genocídio dos povos indígenas e de seu próprio povo”, aponta.
Thaline Karajá, também do Pará, observa que, além das questões ambientais, que despertam maior interesse dos europeus, o desmantelamento dos órgãos de atuação ambiental pelo governo federal levou à piora do quadro de outros problemas, como o descaso com a saúde indígena. Segundo ela, no seu território, 12 crianças morreram só nesse ano por doenças evitáveis – número que se elevaria a 3 mil no conjunto dos biomas brasileiros, durante o atual governo.
"A Funai era responsável pela saúde dos povos indígenas, mas ela foi desmontada nesse governo genocida de Bolsonaro. Não temos assistência médica, acesso à saúde. Toda a vez que vou num território, não vejo nenhum aparelho de pressão. Não vejo um antibiótico, remédios básicos”, conta. "Se a gente se machucar, a gente não tem como se cuidar. Se for algo muito sério, a gente morre.”
Assédio a ‘índios de iPhone’
Os indígenas relatam que, pelas redes sociais, têm recebido críticas por viajarem à Europa – mas argumentam que não recebem a atenção que deveriam dos políticos, da imprensa ou da população brasileira. "Tem muita gente lá no Brasil que está falando: ‘olha aí esses índios lá na França, usando iPhone. Eles não são indígenas’. Somos sim, e a gente usar um iPhone, usar a tecnologia para nos proteger não nos faz menos indígenas, não vai mudar o nosso DNA. A gente está pedindo socorro para o planeta, para a vida”,denunciou Thaline Karajá.
"Arco, flecha e telefone" são as armas dos indígenas para denunciar crimes contra seus territórios, afirmam. © Lücia Müzell/ RFI
“Temos o arco e flecha, mas também temos o celular como arma, para filmar e divulgar as violações que sofremos todos os dias. Faz parte das nossas ferramentas para o mundo ver”, complementa Tukumã, antes de Sam Sataré Mawé afirmar que nenhum deles está em Paris para uma viagem romântica.
"É uma questão de luta e resistência. O fato de a gente estar aqui é porque a gente precisa sair porque senão a nossa voz não sai do Brasil. Não estamos aqui porque queremos”, ressalta Sam. "Não é fácil pegar dias de barco, horas de voo, estar em um país diferente, com uma língua diferente, uma alimentação diferente, para falar para as pessoas que as consequências das ações delas nos afetam e influenciam o nosso povo”, insiste.
Os indígenas realizarão neste sábado (15) uma manifestação em Paris. Na semana que vem, em Bruxelas, devem ser recebidos pelo ministro do Meio Ambiente belga e por autoridades do Parlamento e da Comissão Europeia.