O ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, 73 anos, assumiu novamente o cargo pela 6ª vez em sua carreira política e já está em rota de colisão com setores dentro e fora de Israel. O novo governo, formado após a vitória nas eleições de 1º de novembro, deve ser empossado no próximo 28 de dezembro e será o mais direitista da história do país, com apoio de partidos antes considerados marginais.
Benjamin Netanyahu durante uma sessão na Knesset, o Parlamento israelense, nesta quinta-feira (22) AP - ABIR SULTAN |
Daniela Kresch, correspondente da RFI em Tel Aviv
Os acordos de coalizão que o partido de Netanyahu, o conservador Likud, firmou com as outras bancadas do novo governo, traz diversas leis e iniciativas que poderão tensionar a democracia israelense.
O novo bloco também pode dificultar a vida das minorias, como a comunidade LGBTQ+, aumentar os conflitos com os palestinos e prejudicar o relacionamento de Israel com países árabes que firmaram, recentemente, acordos inéditos com o país.
O anúncio formal da formação do governo foi feito por Netanyahu nesta quarta-feira, dia 20 de dezembro. O grupo pró-Netanyahu terá 64 das 120 cadeiras do Parlamento, o Knesset. A maioria é estreita, o que significa que há uma grande parcela da população que votou no bloco anti-Netanyahu.Nesta quinta-feira, o atual primeiro-ministro, Yair Lapid, do partido de centro Há Futuro, fez um pronunciamento à nação alertando para os perigos da nova coalizão. Ele disse estar “profundamente preocupado com o destino da sociedade israelense" e alertou que o próximo governo será “perigoso, extremo e irresponsável”. “Isso vai acabar mal”, alertou Lapid.
Três partidos de extrema direita
Os novos parceiros de Netanyahu são os únicos que aceitaram, na verdade, se unir ao veterano político israelense, que ficou 12 anos seguidos à frente do governo, de 2009 a 2021, acumulando inimigos e indiciamentos por corrupção. Mas, para voltar ao poder, Netanyahu apelou para esses elementos. São três partidos de extrema direita – que concorreram juntos, mas que se separaram – e dois religiosos (ou ultraortodoxos).
Os três partidos de extrema direita são o Sionismo Religioso, o Força Judaica e o nanico Noam, que representam principalmente os interesses dos colonos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, cerca de 6% dos cidadãos de Israel.
Os dois ultraortodoxos são o Shas e o Judaísmo da Torá, que representam os interesses dos judeus extremamente religiosos, cerca de 12% da população. Eles têm em comum uma visão de mundo reacionária e ultranacionalista, com líderes abertamente misóginos, racistas, antiárabes e antisseculares.
Em seu pronunciamento, o premiê Lapid disse que os novos parceiros de Netanyahu podem “destruir as fundações da sociedade israelense e o status internacional do país”. Uma das primeiras leis que a nova coalizão pretende aprovar é uma emenda que dará ao Parlamento o poder de reverter decisões da Suprema Corte, o que significa, na prática, neutralizar o Poder Judiciário.
Outra novidade é que o ministro da Defesa perderá o controle sobre a Administração Civil, a entidade que, na prática, governa as partes da Cisjordânia onde vivem cidadãos israelenses.
Esse poder passará a ser de Bezalel Smotrich, líder do partido Sionismo Religioso, que prega a anexação da Cisjordânia – apesar de a região ter cerca de 3 milhões de palestinos que almejam criar por lá um Estado independente. Isso pode causar ainda mais tensão com os palestinos e levar a um conflito violento.
Uma anexação de facto da Cisjordânia também levaria à condenação internacional, colocando à prova o relacionamento de Israel com países aliados como os Estados Unidos.
O novo governo também terá como ministro da Segurança Interna o parlamentar ultranacionalista Itamar Ben-Gvir, acusado de realizar discursos de ódio contra os árabes. Isso sem contar com a presença, no ministério da Educação, do parlamentar ultra religioso Avi Maoz, abertamente misógino e anti-LGBTQI+.
ONGs manifestam
ONGs progressistas dentro de Israel têm se manifestado em meio às críticas dos israelenses de centro, de esquerda e até de direitistas que não concordam com alguns aspectos do novo governo.
Até mesmo a comunidade judaica fora de Israel tem criticado o novo governo, principalmente por conta de um projeto que restringe a Lei do Retorno, que dá a todos os judeus do mundo o direito de morar em Israel e receber cidadania do Estado Judeu.
A nova coalizão pretende não reconhecer mais como beneficiários dessa lei pessoas que sejam netos de judeus, mesmo que os pais já não o sejam. Isso diminuirá em muito a imigração de judeus da Rússia e da Ucrânia, por exemplo.
Fora isso, os valores reacionários do novo governo podem afastar ainda mais de Israel o apoio dos judeus americanos – em sua grande maioria progressistas. Para o premiê Yair Lapid, será difícil para muitos judeus da Diáspora se identificar com Israel e considerar o país como sua “segunda pátria”.