Karina Toledo, de Haia, e Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – O combate à desigualdade no ecossistema de pesquisa tem avançado em todo o mundo e há um crescente interesse em resolver o problema. Contudo, mulheres e minorias sociais seguem sub-representadas e subfinanciadas no meio acadêmico, o que implica piores perspectivas de carreira. Além disso, ainda enfrentam discriminação e preconceito em todas as regiões do planeta representadas no Global Research Council (GRC) – entidade que reúne agências de fomento de 130 países dos cinco continentes e que promove esta semana em Haia (Países Baixos) sua Reunião Anual.
Essa avaliação sobre o panorama atual foi feita por integrantes do Grupo de Trabalho Igualdade, Diversidade e Inclusão, estabelecido pelo GRC em 2017 (anteriormente chamado de Gender Working Group) para, inicialmente, promover a participação feminina na ciência. O escopo de trabalho foi ampliado com o passar dos anos, passando a considerar – além de sexo e gênero – aspectos relacionados a raça, etnia, idade e deficiências, entre outros.
Esse grupo de trabalho promoveu na terça-feira (30/05) um painel com lideranças de agências de fomento à pesquisa de quatro países. Os participantes tiveram a oportunidade de trocar impressões sobre o tema e relatar as iniciativas que suas instituições vêm desenvolvendo para promover a igualdade e a inclusão nos ecossistemas de pesquisa locais.
Um dos painelistas foi Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, que relatou os avanços promovidos no Brasil pela implantação progressiva do sistema de cotas em instituições de ensino superior.
“As cotas foram implantadas em 2017 na Universidade de São Paulo [USP], a instituição de pesquisa de maior impacto do país. Eu era reitor naquele momento. Como consequência, a porcentagem de estudantes egressos de escolas públicas passou de 30% para 52%, em 2021. Já a proporção de graduandos negros saltou de 17% para 44%”, relatou Zago, ponderando em seguida que a desigualdade racial ainda é grande entre os pós-graduandos e docentes da USP.
Já em termos de gênero, o ecossistema da USP apresenta um certo equilíbrio: mulheres correspondem a 49% dos graduandos e 42% dos pós-graduandos. Porém, quando se avaliam os diferentes campos do conhecimento, percebe-se que a população feminina é predominante em áreas como medicina e farmácia, enquanto nas disciplinas STEM [acrônimo formado pelas iniciais em inglês das palavras ciência, tecnologia, engenharia e matemática] corresponde a algo entre 25% e 30% dos estudantes de graduação. “E isso se reflete no perfil de pesquisadores que atuam nessas áreas”, sublinhou Zago.
Entre as práticas adotadas pela FAPESP para promover o avanço da agenda de equidade, diversidade e inclusão (EDI), Zago mencionou a concessão de licença-maternidade para bolsistas (que na prática significa um acréscimo de quatro meses ao término do período previsto para o desenvolvimento do projeto) e a atualização do modelo de Súmula Curricular, que passou a contar com um campo (“outras informações biográficas”) em que a pessoa pode mencionar eventuais interrupções na carreira decorrentes de licenças médicas – incluindo licença-maternidade ou paternidade – ou da necessidade de cuidar de terceiros, como familiares enfermos, com deficiência ou idosos (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/36617/).
Zago contou ainda que a Fundação vem desenvolvendo um programa para apoiar a iniciação científica de jovens que foram admitidos em universidades por meio de ações afirmativas (leia mais em: https://revistapesquisa.fapesp.br/fapesp-cria-plano-para-ampliar-equidade-diversidade-e-inclusao/), no âmbito do qual um edital deve ser lançado em breve, e ressaltou o fomento a aproximadamente 200 projetos de pesquisa relacionados com diferentes aspectos de diversidade e inclusão conduzidos nas últimas duas décadas.
A perspectiva britânica sobre a agenda EDI foi apresentada no evento por Dame Ottoline Leyser, diretora-executiva da UK Research and Innovation (UKRI). Em sua avaliação, para se alcançar uma alta qualidade em pesquisa e inovação é necessário criar um ambiente em que as pessoas discordem uma das outras, apresentem diferentes opiniões sobre um tema e apontem caminhos alternativos. “Sabemos que essas diferenças são incrivelmente importantes para impulsionar a pesquisa. A questão-chave é: como construir esses ambientes em que diferentes pessoas estão incluídas?”
Segundo Leyser, uma possibilidade é incluir critérios de diversidade no processo de avaliação de projetos e de pesquisadores, deixando claro para a comunidade que a diversidade será valorizada.
Um panorama sobre a situação do Catar e de países similares da Ásia Ocidental foi apresentado por Hisham Sabir, diretor-executivo da Qatar National Research Fund (QRDIC). “Nossa comunidade de pesquisa é ampla e variada, oriunda de todas as partes do globo. E isso é fruto mais da necessidade do que de um esforço direcionado. Tal fato vale para aspectos de nacionalidade, etnia, raça, mas não necessariamente para a inclusão de mulheres. Outra peculiaridade do Catar e de países similares da Ásia Ocidental é que, na educação superior, a população feminina supera a masculina em uma proporção de três para um – e de novo isso não é algo planejado e sim fruto de uma série de fatores econômicos e sociais. No entanto, na comunidade de pesquisa ocorre o inverso”, relatou.
Segundo Sabir, para lidar com o problema tem se buscado criar mecanismos regulatórios voltados a promover igualdade de oportunidades no ambiente de pesquisa.
O quarto painelista da tarde foi Laksana Tri Handoko, presidente da National Research and Innovation Agency of Indonesia (BRIN). Ele contou que o país abriga uma grande variedade de culturas, raças, línguas, religiões, climas e ecossistemas. E que uma série de ações afirmativas tem sido implementada para promover a igualdade entre as diferentes regiões do país.
“Gostaria de chamar atenção para a questão da igualdade não apenas em termos de gênero, mas entre as diferentes gerações da comunidade científica. Penso que de algum modo isso é um grande problema. É uma questão importante quando se deseja atrair jovens gerações e fazê-las optar pela carreira científica”, argumentou Handoko.
Motivada por essa preocupação, a BRIN implementou – além da licença-maternidade e de creches em todas as instituições – um sistema de trabalho remoto denominado “trabalhe de qualquer lugar”. “Três anos depois, podemos perceber que essas medidas trouxeram mais qualidade de vida, especialmente para os jovens pesquisadores que precisam cuidar de filhos pequenos.”
O debate foi moderado por Signe Ratso, diretora-adjunta de Pesquisa e Inovação da Comissão Europeia. Em sua introdução, ela afirmou que a equidade de gênero tem sido uma prioridade na comunidade europeia desde 2012, pois há um entendimento de que “para se alcançar resultados excelentes de pesquisa é preciso usar todas as mentes excelentes”. E relatou que o atual programa de fomento à pesquisa da Comissão Europeia, o Horizon Europe, estabeleceu como critério de elegibilidade a existência de um Plano para a Igualdade de Gênero que cumpra um conjunto de requisitos obrigatórios.
Histórico dos trabalhos
O evento intitulado “Promoting Equality, Diversity, and Inclusion in Research – Reviewing the Statement of Principles After 7 Years” foi organizado no âmbito da Reunião Anual do GRC por Adrien Braem, executivo sênior de Políticas na Science Europe, e Ana Maria Fonseca de Almeida, membro da coordenação do Programa Equidade, Diversidade e Inclusão da FAPESP. Ambos são coordenadores do grupo Igualdade, Diversidade e Inclusão do GRC.
Fonseca relatou que o tema começou a ganhar muita atenção no GRC a partir de 2014, quando as agências-membro divulgaram uma “Declaração de Princípios e Ações para Moldar o Futuro: Apoiando a próxima Geração de Pesquisadores”. Um dos princípios estabelecidos no documento foi o de “atrair e manter os melhores talentos em toda a sua diversidade”. E entre as ações propostas estava a de promover a “igualdade de oportunidade em pesquisa e desenvolver mecanismos que encorajem pessoas com diferentes backgrounds a prosseguir na carreira científica, contribuindo para a excelência da pesquisa”.
Em 2016 foi divulgado um segundo documento com princípios e ações para fazer avançar a equidade de gênero na pesquisa. “Esse documento enfatizou a necessidade de promover nas instituições mudanças estruturais capazes de impactar crenças e práticas. E isso levou o GRC a criar o Gender Working Group”, conta Fonseca.
Em 2022, foi divulgada a “Declaração de Princípios sobre o Desenvolvimento da Força de Trabalho de Ciência e Tecnologia”. O documento afirma que “uma força de trabalho ampla, vibrante, diversificada e inclusiva em STEM, em todos os níveis de qualificação, é fundamental para os ecossistemas de pesquisa nacional e global, bem como para as economias nacionais e globais”. E que, portanto, os financiadores devem “priorizar a inclusão de pesquisadores em início de carreira, mulheres e membros de outros grupos sub-representados nessas áreas”.
Em 2019, o grupo de trabalho produziu um livreto intitulado “Supporting Women in Research”, no qual apresenta políticas, programas e iniciativas adotados por diversas agências de fomento público à pesquisa. Dois anos depois, foi publicado um relatório sobre práticas adotadas para a coleta de dados relacionados a gênero.
"A ideia de trazer os diretores para debater formas de ampliar equidade, diversidade e inclusão nas pesquisas científicas é uma maneira de dar maior atenção ao tema e, sobretudo, para tratar a transversalidade dessas questões nas pesquisas. Um projeto de pesquisa, além de tratar de conteúdos referentes à própria pesquisa, precisa levar em conta questões de equidade, diversidade e inclusão desde quando é desenhado", disse Fonseca à Agência FAPESP.
Ela pondera, porém, que não basta apenas fazer a incorporação das minorias na equipe, sem que essas pessoas tenham sido de fato incluídas, tendo condições de interferir no desenho da pesquisa.
Fonseca informou ainda que o grupo tem trabalhado com questões relacionadas à violência baseada em gênero nos ambientes de pesquisa, buscando criar ambientes mais seguros para a cooperação internacional.
Promovida pela Organização Neerlandesa para a Pesquisa Científica (NWO) e pela FAPESP, a Reunião Anual do GRC de 2023 conta com a participação de representantes de 81 entidades, de 63 países.
Para mais informações acesse: https://fapesp.br/grc23.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.