Getting your Trinity Audio player ready...
Mostrando postagens com marcador Amazônia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Amazônia. Mostrar todas as postagens

Amazônia, mulheres que fazem a Igreja

Uma mulher indígena da Amazônia (Tiago Miotto Cimi) (@Cimi)



Na edição de julho da revista mensal "Donne Chiesa Mondo" do jornal L'Osservatore Romano, que saiu no dia 1º de julho, o artigo sobre a contribuição das mulheres para a vida da Igreja católica na imensa região da América Latina. Com mais de 5.500 fiéis por sacerdote, são os leigos e leigas na Amazônia que impulsionam as comunidades e são muitas as ministras que presidem a liturgia, conduzem orações e cantos em funerais e vigílias, proferem homilias.



De Lucia Capuzzi

"Tão invisíveis quanto imprescindíveis". Esses são os dois adjetivos com os quais a Assembleia Eclesial da América Latina, experiência inédita realizada em Cidade do México, em novembro de 2021, sintetizou a condição da mulher na Igreja nesta região. Os números confirmam o papel importante do componente feminino: as catequistas são mais de 600 mil, as agentes pastorais engajadas apenas no campo educativo chegam quase a um milhão. A vida cotidiana, porém, evidencia o quanto as mulheres leigas e religiosas ainda são relegadas à periferia eclesial. Por isso, a Assembleia pediu fortemente para "incluir as mulheres de uma vez por todas na liturgia, nas decisões e na teologia".


Apesar da riqueza da reflexão teológica feminista e feminina, a esfera litúrgica é provavelmente aquela em que a presença das mulheres se tornou mais significativa. Na liturgia, o processo de encarnação do Concílio se revela na imensa região entre o Rio Bravo e a Terra do Fogo percorrida por seus bispos desde a Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín em 1968.

Dois pilares de renovação: a inculturação dos ritos e práticas e o dinamismo feminino. Em ambos os casos, mais que um projeto codificado, foi uma resposta à realidade latino-americana. Na região, os indígenas são 8% dos habitantes, os afro-americanos 20% e praticamente todos são resultado da mestiçagem, da mistura de etnias, povos e culturas após o Descobrimento-Conquista. Com, em média, mais de 5.500 fiéis por sacerdote, quase o triplo da Europa, os leigos e, sobretudo, as leigas sustentam as comunidades cristãs para as quais a Eucaristia dominical tem uma importância crucial. Como os padres são escassos, a Missa é frequentemente substituída pela celebração da Palavra.

"Nas aldeias de Belém do Alto Solimões, há muitas ministras. Elas presidem a liturgia, desde o sinal da cruz inicial até a despedida final. Mesmo quando consigo ir celebrar, deixo que elas guiem e também façam a homilia, enquanto me limito à consagração eucarística", disse o frei Paolo Maria Braghini, missionário capuchinho italiano há quase vinte anos na Amazônia brasileira. Lugar onde o peso laical na transmissão e cuidado da fé católica é decisivo. "É bom que os fiéis sejam protagonistas. De fato, as fiéis aqui como agentes pastorais são fundamentais. Não só pelo grande número. São dinâmicas, fortes, criativas, resistentes. É justo que tenham reconhecimento", sublinhou o religioso. Finalmente, estão tendo agora."

O divisor de águas foi o Sínodo da Amazônia realizado em outubro de 2019 e culminando com a Querida Amazônia. Já o documento final, assumido pela exortação, pedia a revisão do Motu proprio Ministeria quaedam para que as mulheres pudessem ter acesso aos ministérios de leitora e acólita. Um convite que o pontífice aceitou em janeiro de 2021. Duas amazonenses – as equatorianas Aurea Imerda Santi e Susana Martina Santi, do povo quéchua – foram as primeiras leitoras e acólitas oficiais da Igreja católica. "Foi um bonito presente. Entre nós Ticuna sempre foram a mulheres que mantiveram a fé católica. Agora, porém, sentimos que a Igreja nos reconhece e valoriza", disse Magnólia Parente Arambula, indígena e missionária de Nazaré, na Amazônia colombiana. Uma aldeia de 1.017 habitantes sobre a qual gravita uma galáxia de comunidades satélites de algumas dezenas de pessoas que, há dez anos, Magnólia evangeliza. "E sou evangelizada", disse ela.

A liturgia Ticuna tem traços marcadamente femininos. “Sobretudo nos funerais e na vigília que os precede, as mulheres dirigem as orações e os cantos. Quanto à Eucaristia, as fiéis são encarregadas do ofertório, no qual levam o seu trabalho como oferenda ao Senhor, representado por pequenos artefatos artesanais ou produtos agrícolas. Por fim, nos 'tempos altos' do ano litúrgico, como o Natal e a Semana Santa, muitos dos ritos são celebrados por mulheres".

Não é fácil falar de 'liturgia amazônica'. A floresta é a casa de 400 culturas e línguas diferentes na concepção da vida e da fé. Portanto, com diferentes modos de “entrar no olhar que Deus tem sobre nós”, como Romano Guardini definiu a liturgia. Por isso, a Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama), fruto do caminho pós-sinodal, lançou desde 2020 um processo de estudo para encontrar um significativo denominador comum para todos os povos originários da região. A base, real e não meramente teórica, para a elaboração de um rito amazônico que se somasse aos outros 23 que compõem a catolicidade.

"Rito não significa apenas celebrações. Ele reúne hábitos, costumes, visões cosmológicas e antropológicas. Por isso, não podemos ter pressa. O primeiro passo foi formar uma comissão de bispos, antropólogos, pastoralistas e iniciar os trabalhos no campo. A análise partiu de Manaus, no Brasil, no coração da Amazônia. Depois, vai se repetir nas dioceses antes de chegar a algo a ser proposto ad experimentum", explica Eugenio Coter, italiano que se mudou para Pando, na Bolívia, onde é vigário apostólico e representante dos bispos amazônicos na presidência da Ceama. O modelo é o do rito zairense. O mesmo que inspirou também o episcopado mexicano que, na última assembleia geral, decidiu apresentar à Santa Sé a proposta de incluir na missa alguns rituais típicos da cultura maia.

Foi formulado pela Diocese de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, onde mais de 70% da população é indígena. Três, em particular, as adaptações sugeridas: uma oração inicial conduzida pelo diretor, um indígena leigo de fé madura e cuja autoridade é reconhecida pela comunidade, uma dança típica após a comunhão e o serviço das 'incensadoras' para marcar o ritmo da celebração. “É principalmente um papel feminino. Incluí-lo de forma oficial – conclui o cardeal Felipe Arizmendi, um dos promotores da Missa maia – é um pequeno reconhecimento da ação de evangelização que dá vida às nossas comunidades”. Quase sessenta anos depois, a inculturação e a valorização da mulher são os dois caminhos pelos quais o Concílio continua caminhando pelo Continente.

Maduro chega a Brasilia para a cúpula da América do Sul

Lula recebe Nicolás Maduro nesta segunda-feira

Cilia Flores, Nicolás Maduro, presidente Lula e Janja Lula. Foto: Abr


Por Agência Brasil 

Encontro marca retomada das relações Brasil-Venezuela 

 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe nesta segunda-feira (29) o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. 


A agenda, no Palácio do Planalto, inclui reunião privada entre os líderes às 10h30, reunião ampliada às 11h30 e uma cerimônia de assinatura de atos às 12h30, seguida de almoço às 13h30. 


Maduro desembarcou em Brasília na noite desse domingo (28), acompanhado da esposa Cilia Flores, para participar, nesta terça-feira (30), do encontro de presidentes de países da América do Sul. 


Nas redes sociais, o presidente venezuelano agradeceu “a calorosa acolhida” e citou o desenvolvimento de uma agenda diplomática que reforce “a união dos povos do continente”. 


O encontro entre Lula e Maduro marca a retomada das relações entre Brasil e Venezuela. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, os dois mandatários devem avançar no processo de “normalização das relações bilaterais”. 


Entre os temas em pauta está a reabertura das respectivas embaixadas e de setores consulares. “Será ocasião, também, para que os presidentes conversem a respeito dos processos de diálogo interno na Venezuela, com vistas à realização das eleições de 2024”, informou o Itamaraty.  

Yanomami 
Na reunião, os dois mandatários devem tratar dos resultados da recente missão multidisciplinar à capital venezuelana, organizada pela Agência Brasileira de Cooperação, que contou com representantes de mais de 20 órgãos governamentais brasileiros.


 “Atenção especial será atribuída aos temas fronteiriços, com destaque para a proteção das populações que residem nessa faixa, entre elas os povos yanomami”.


Cooperação amazônica 
Ainda de acordo com a pasta, os dois chefes de Estado deverão tratar de temas das agendas regional, a exemplo da integração sul-americana e da cooperação amazônica, e multilateral, notadamente no que se refere à paz, segurança e mudança do clima. 


Comércio 
 Dados do governo brasileiro indicam que o comércio bilateral com a Venezuela alcançou cerca de US$ 1,7 bilhão em 2022, com exportações brasileiras de US$ 1,3 bilhão e importações de quase US$ 400 milhões. 


O intercâmbio entre os dois países alcançou US$ 6 bilhões em 2013, “o que demonstra o potencial da relação e enseja o aprofundamento do diálogo com vistas à retomada das parcerias econômicas, da complementaridade de cadeias produtivas e da remoção de obstáculos ao comércio”.

 

EUA irão enviar US$50 milhões em aporte inicial para o Fundo Amazônia


EUA confirmaram participação no Fundo Amazônia.  @RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA



Da BBC News Brasil em Washington

O governo dos EUA irá anunciar um aporte de US$50 milhões, ou R$ 270 milhões, para o Fundo Amazônia após a primeira reunião bilateral entre os presidentes americanos Joe Biden e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. O anúncio deve ser feito nos próximos dias mas foi adiantado pela BBC News Brasil por fontes do governo americano e brasileiro.


Trata-se da primeira contribuição feita pelos americanos ao fundo, que conta com cerca de R$ 3,2 bilhões doados por Alemanha e Noruega ao longo dos últimos 15 anos e que esteve congelado ao longo de toda a gestão de Jair Bolsonaro.


Como uma das primeiras medidas de seu governo, Lula reativou o fundo e a Alemanha já fez um novo depósito a ele no valor de R$192 milhões, em janeiro. A decisão de Lula de retomar o Fundo tem sido elogiada em Washington. Nesta sexta, 10/2, diante de Biden, Lula voltou a prometer atingir o desmatamento zero na Amazônia até 2030. Como resposta, o presidente americano assentiu e cruzou os dedos.


O aporte americano é relativamente baixo, mas de acordo com autoridades brasileiras o mais importante não é o recurso em si mas o compromisso firmado por Biden de trabalhar para fazer com que os demais líderes do G-7, as nações mais ricas do mundo, também contribuam para o fundo, criado para remunerar a preservação ambiental promovida pelo Brasil. 


Tratou-se se de uma decisão unilateral do governo Biden, que não foi nem pedido nem negociado, e que não estava no radar da delegação brasileira até o desembarque do presidente Lula em Washington.


"Eu discuti a necessidade de os países ricos assumirem a responsabilidade de financiar os países que têm florestas", afirmou Lula.


"E só na América do Sul, além do Brasil, temos Equador, Colômbia, Peru, Venezuela, as Guianas, ou seja, vários países que temos que cuidar. O que posso dizer é que ele (Joe Biden) vai participar do Fundo Amazônico", disse o presidente.


Promessas antigas

Lula usou quase metade de sua fala inicial a Biden para dizer que a questão ambiental e climática tem que ser tratada com urgência porque dela depende o futuro da humanidade. E afirmou que nos últimos anos o governo brasileiro atuou ativamente contra a preservação.


"Nos últimos anos, a Amazônia foi invadida pela irracionalidade política, irracionalidade humana, porque nós tivemos um presidente que mandava desmatar, mandava garimpo entrar nas áreas indígenas e mandava garimpar nas florestas que nós demarcávamos como reserva na Amazônia", afirmou Lula, em referência indireta à crise humanitária e ambiental na Terra Indígena Yanomami.


Biden já disse mais de uma vez que gostaria de criar um fundo para preservar a Amazônia.


Durante o governo Bolsonaro, o enviado climático de Biden, John Kerry, e sua equipe mantinha diálogos mensais com a equipe ambiental de Bolsonaro pressionando por reduções dos índices de desmatamento - o que nunca ocorreu ao longo do governo.


Assim, os americanos jamais concretizaram o envio de recursos à Amazônia. Em sua fala, Lula também pediu que uso sua liderança para galvanizar os demais líderes em torno do tema.


“A questão climática, se não tem uma governança global forte, que tome decisões que todos os países sejam obrigados a cumprir, não vai dar certo. Não sei qual o foro certo. Não sei se é a ONU, o G20 ou G8. Mas alguma coisa temos de fazer para obrigar os países, os congressos e empresários a acatar decisões que tomamos em níveis globais", afirmou.

Por que governo Bolsonaro é investigado por suspeita de genocídio contra os yanomami

PF vai investigar se houve omissão de agentes públicos no território yanomami durante governo Bolsonaro. CRÉDITO,BRENDAN SMIALOWSKI/AFP


  • André Biernath - @andre_biernath
  • Da BBC News Brasil em Londres


A Polícia Federal anunciou a abertura de um inquérito para investigar se houve crime de genocídio e omissão de socorro ao povo yanomami pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).


A investigação vai começar após um pedido feito por Flávio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública, um dos integrantes da comitiva que visitou o território indígena no dia 21 de janeiro.


Outras duas denúncias estão em avaliação preliminar no Tribunal Penal Internacional, localizado em Haia, nos Países Baixos. Nelas, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Comissão Arns defendem que o ex-presidente cometeu crimes de genocídio durante a pandemia de covid-19 e na forma como ele lidou com a proteção dos indígenas nos últimos quatro anos.


Procurado pela reportagem, Bolsonaro não comentou o tema. Antes, Bolsonaro escreveu em aplicativo de mensagens que a denúncia sobre a crise yanomami era "farsa da esquerda" e argumentou que seu governo levou atenção especializada para territórios indígenas.


Quais são os argumentos que fundamentam acusações tão graves? E o que mais disse Bolsonaro?


Os juristas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que há elementos suficientes para iniciar uma investigação, mas que é preciso encontrar evidências e provas para seguir com eventuais julgamentos no futuro. A seguir, entenda como, segundo eles, questões como estímulo ao garimpo, apuração sobre desvio de medicamentos e alertas ignorados pelo governo podem ser levados em consideração.



O que é genocídio?

O Tribunal Penal Internacional diz que o genocídio é caracterizado pela "intenção específica de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, matando seus membros por outros meios, causar lesões corporais ou mentais graves, impor deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a destruição física total ou parcial, impor medidas destinadas a prevenir nascimentos ou transferir forçadamente crianças de um grupo para outro".


A jurista Sylvia Steiner, única brasileira que foi juíza da corte de Haia entre 2003 e 2012, explica que "genocídio não é qualquer matança".


"Tem que existir a intenção de destruir um grupo por causa da nacionalidade, da etnia, da raça ou da religião dele", resume.


A especialista também aponta que há uma diferença entre genocídio e crimes contra a humanidade.


"Crimes contra a humanidade são aqueles praticados por parte de uma política de um Estado ou de uma organização que atacam a população civil. Eles incluem assassinato, violência sexual, deportação forçada, perseguição, extermínio, escravidão…", lista.


"Nesse caso, não existe um dolo especial, ou seja, a intenção clara de eliminar um grupo por questões como nacionalidade, etnia, raça, religião", complementa.

Localizado em Haia, o Tribunal Penal Internacional julga casos de genocídio e crimes contra a humanidade. GETTY IMAGES


O advogado Belisário dos Santos Junior, da Comissão Internacional de Juristas, lembra que o Brasil possui uma lei sobre o genocídio desde 1956.


"Ela foi aprovada ainda no governo de Juscelino Kubistchek, que reconhece não apenas a ação direta, mas também a incitação ao genocídio", diz.


A lei brasileira, portanto, também pune aqueles que estimulam "direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes" relacionados ao genocídio.


Mas o que pode pesar contra o governo Bolsonaro durante as investigações?


Estímulo ao garimpo

O relatório Yanomami Sob Ataque, publicado em abril de 2022 pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye'kwana, com assessoria técnica do Instituto Socioambiental, faz um balanço da extração ilegal de ouro e outros minérios nessa região, que compreende a maior reserva indígena do país.


"Sabe-se que o problema do garimpo ilegal não é uma novidade na TIY [Terra Indígena Yanomami].  Entretanto, sua escala e intensidade cresceram de maneira impressionante nos últimos cinco anos. Dados do MapBiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destruição do garimpo assumiu uma trajetória ascendente e, desde então, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, de 2016 a 2020 o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3.350%", aponta o texto.


O levantamento das associações mostra que, em outubro de 2018, a área total destruída pelo garimpo somava pouco mais de 1.200 hectares. "Desde então, a área impactada mais do que dobrou, atingindo em dezembro de 2021 o total de 3.272 hectares", continua a publicação.

Mineração e falta de políticas públicas representam ameaças aos povos indígenas, defende corte internacional. GETTY IMAGES

Durante os quatro anos de presidência, Bolsonaro falou diversas vezes sobre a mineração em terras indígenas — o governo propôs inclusive um projeto de lei que viabilizaria a prática dentro da lei.


Em março de 2022, por exemplo, ele afirmou que "índio quer internet, quer explorar de forma legal a sua terra, não só para agricultura, mas também para garimpo".


"A Amazônia é uma área riquíssima. Em Roraima, há uma tabela periódica debaixo da terra", acrescentou.


Santos Junior, que integra a Comissão Arns, entende que são vários os exemplos do estímulo de Bolsonaro ao garimpo.


"Os garimpeiros vão se apropriando das áreas, desmatam a floresta, invadem unidades básicas de saúde… Quem dá suporte a isso é justamente quem incentiva o garimpo e o desmatamento, quem não dá as condições para que povos e etnias sobrevivam", defende.


Falta de remédios e alimentos

O Ministério Público Federal também fez operações para apurar desvios de medicamentos em território yanomami.


Segundo o órgão, só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos que deveriam ser fornecidos foram entregues em 2022.


Os procuradores dizem que o desvio de vermífugos (que tratam de infestações de vermes) impediu o tratamento adequado para 10 mil das 13 mil crianças que vivem nesta região.


Há ainda denúncias sobre a interrupção no fornecimento de alimentos.


Alisson Marugal, procurador da República em Roraima, afirmou que o Ministério da Saúde cortou o fornecimento de alimentação aos indígenas nos postos de saúde do Estado em 2020, sem dar explicações.


Todo o cenário de casos e mortes por desnutrição e malária fez com que o Ministério da Saúde decretasse uma emergência sanitária no território yanomami em 21 de janeiro.


Entre as ações emergenciais, o governo anunciou o envio de profissionais de saúde e a criação de hospitais de campanha para atender os pacientes.


Segundo o secretário de Saúde Indígena do ministério, Ricardo Weibe Tapeba, mais de mil indivíduos já foram resgatados em situação de extrema vulnerabilidade do local.

Em visita ao território yanomami, Lula diz que a situação é 'desumana'. RICARDO STUCKERT/PR

Alertas ignorados

Por fim, diversas instituições nacionais e internacionais chamaram a atenção para o que vinha acontecendo com os yanomami nos últimos meses e anos.


Em nota, a Apib disse que a invasão do garimpo ilegal na terra indígena yanomami foi denunciada pelo menos 21 vezes à justiça e aos órgãos do governo durante a gestão de Bolsonaro.


Existe também uma petição feita ao Supremo Tribunal Federal em maio do ano passado sobre esse assunto. Nela, a Apib e outras entidades pedem ações do governo para conter a invasão de garimpeiros nas terras onde vivem os yanomami e outros povos, como os munduruku.


No dia 1º de julho de 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma decisão cobrando uma resposta do Brasil para "proteger a vida, a integridade pessoal e a saúde dos membros dos povos indígenas yanomami, ye'kwana e munduruku".


A comissão que avaliou o caso disse que a situação dos indivíduos dessas três populações era de "extrema gravidade e urgência".


Entre as medidas que o país precisaria tomar, a corte apontou a necessidade de "proteger efetivamente a vida, a integridade pessoal, a saúde e o acesso à alimentação e água potável" desses povos.


A corte pediu ao Estado brasileiro um relatório com um resumo das ações que foram tomadas para reverter a situação até o dia 20 de setembro de 2022. Depois disso, novas atualizações sobre o caso deveriam ser enviadas a cada três meses.


A BBC News Brasil entrou em contato com a Corte Interamericana de Direitos Humanos para saber se o país estava cumprindo as medidas.


Por meio da assessoria de comunicação, o órgão afirmou que, "até o dia de hoje, a corte está esperando uma resposta por parte do Estado brasileiro".


O que pode acontecer?

Para Santos Junior, "o ex-presidente, por causa de suas obsessões [com o garimpo], aparenta preencher os requisitos de quem assume os riscos". "Não é normal você deixar um povo sem assistência médica, sem as condições mínimas de sobrevivência", diz.


"Os indígenas foram sufocados de uma tal forma que as mortes e a redução do grupo se encaixam, a meu ver, na descrição do genocídio pelas ações ou inações do então Presidente da República", acrescenta o advogado.


A jurista Sylvia Steiner pondera que a abertura de um inquérito serve justamente para fazer investigações e reunir provas de possíveis crimes que foram eventualmente cometidos.


"Por ora, não há fatos provados. Existem alguns indícios em relação ao genocídio. E isso é sempre complicado, porque você precisa comprovar que havia uma intenção de eliminar os yanomami da face da Terra", explica.


Na visão da jurista, outra possibilidade é investigar possíveis crimes contra a humanidade — e não o genocídio.


"Pode ser observada a existência de um plano, de uma política de Estado contra os yanomami, mas em função da terra que eles ocupam e do interesse em se apropriar das riquezas que existem ali. Ou seja, nesse caso não falamos de uma perseguição dos yanomami por causa da etnia deles", pontua.


"Acontece que essa política de Estado leva à exterminação do grupo. Então, nós podemos estar diante de um crime contra a humanidade de extermínio ou perseguição", completa.


Steiner chama a atenção para o fato de a legislação brasileira não prever crimes contra a humanidade. Nesse caso, a eventual investigação e um julgamento posterior dependem da ação do Tribunal Penal Internacional.


A especialista aponta que esses julgamentos em Haia, de possíveis responsáveis pelos atos criminosos, podem render penas de até 30 anos ou prisão perpétua em casos extremos.


Comunidades que fazem parte da Reserva Yanomami enfrentam crise humanitária que tem como principal causa a expansão do garimpo ilegal. ANDRESSA ANHOLETE/CORRESPONDENTE GETTY IMAGES

Controvérsias e discordâncias

Steiner aponta que o conceito de genocídio e crimes contra a humanidade é alvo de muitas discussões entre os juristas.


"Uma parcela acredita que, decorrido tanto tempo desde que o conceito foi definido nos anos 1940, é preciso ter um entendimento um pouco mais alargado do que é um genocídio. Eles argumentam que o mundo mudou e a interpretação desse crime deveria ser mais flexível", diz


"Eu me situo entre aqueles que seguem a letra da lei. Então, para mim, tem que ficar demonstrado que realmente houve a intenção genocida, a intenção de destruir no todo ou em parte aquela comunidade, seja em razão da religião, da etnia, da raça ou na nacionalidade."


"Fora disso, pode ser que estejamos diante de um crime contra a humanidade, que é tão grave quanto", complementa.


De acordo com a especialista, o conceito de crimes contra a humanidade é relativamente novo — foi ratificado internacionalmente a partir do Estatuto de Roma em 2002 — e, por isso, ainda gera confusão.


"Esse conjunto de normas está acima das regras dos países e proíbe uma série de condutas que põe em risco a paz e a humanidade de comunidades inteiras", conta Steiner.


"Quando temos escândalos lamentáveis e catástrofes humanitárias, devemos usar esse momento para progredir do ponto de vista moral e ético. Que a atual situação desperte as pessoas e os países para as necessidades especiais das populações indígenas. Já não era sem tempo", conclui.


A BBC News Brasil tentou o contato com Bolsonaro por meio de assessores, ex-ministros, pessoas próximas, a comunicação do Partido Liberal e pelas próprias redes sociais para que ele pudesse dar um posicionamento a respeito de todos os pontos e alegações. Não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.


Assim que a emergência de saúde veio à tona nos últimos dias, o ex-presidente fez postagens no aplicativo de mensagens Telegram.


Ele classificou a denúncia sobre a crise yanomami como "farsa da esquerda" e disse que seu governo realizou 20 ações de saúde entre 2020 e 2022 que levaram atenção especializada para dentro dos territórios indígenas, especialmente em locais remotos e com acesso limitado.


Segundo o ex-presidente, foram beneficiados mais de 449 mil indígenas, com 60 mil atendimentos. Ainda na mensagem, ele afirmou que o governo federal encaminhou 971,2 mil unidades de medicamentos e 586,2 mil unidades de equipamentos de proteção individual, totalizando 1,5 milhão de insumos enviados para essas operações.


- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64417930

Dom Evaristo: a Igreja cobra do Estado uma apuração séria dos assassinatos


"Muitos defensores dos direitos dos povos, dos territórios, e das florestas são constantemente assassinados, isso já encarado como um fato normal": declaração de dom Evaristo e da prof. Marcia Maria de Oliveira – Assessora REPAM.


Silvonei José - Vatican News

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), por meio da sua presidência, composta pelo bispo da Prelazia de Marajó (PA), Dom Evaristo Pascoal Spengler, OFM, (presidente), o arcebispo de Palmas (TO), Dom Pedro Brito Guimarães (vice-presidente) e o bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM), Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, sdv, (secretário), divulgou na tarde da última quarta-feira uma nota na qual exige providências urgentes do governo frente às mortes e degradação no território amazônico. 

“É indispensável o desenvolvimento de ações rápidas do Estado brasileiro, por meio do Governo Federal, Congresso Nacional e Ministério Público, para conter o avanço destruidor sobre a Amazônia. É necessário não só prestar esclarecimentos sobre o desaparecimento de Bruno e Dominic, mas agilidade nas apurações, e punição dos responsáveis por tantas mortes e tanta dor que pesam sobre a Amazônia, seus povos e seus defensores”, diz trecho da nota

O presidente da REPAM-Brasil, Dom Evaristo Pascal Spengler conversou com a Rádio Vaticano - Vatican News:

A morte do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Araújo Pereira, traz à tona a insegurança e as ameaças em que há décadas vivem os Defensores dos direitos dos povos da Amazônia e de seus territórios como os indígenas, os quilombolas e os ribeirinhos. 

Essa situação persiste por que na Amazônia impera a ilegalidade em vários setores, principalmente na pesca predatória, na mineração, e na estração de madeira. 

Constantemente esses setores ilegais aliam-se ao tráfico de drogas, ao tráfico de armas, e ao tráfico de pessoas. É conhecida a dificuldade logística na região Amazônica, e o Estado brasileiro é ausente, inerte, omisso em muitas partes da Amazônia.

O Vale do Javari onde ocorreram as mortes recentes é um retrato fiel dessa realidade. É imperativo na Amazônia uma presença firme do Estado para curar não só as mortes do Dom Philips e do Bruno, talvez esse fato repercutiu, porque envolveu um estrangeiro.

Muitos defensores dos direitos dos povos, dos territórios, e das florestas são constantemente assassinados, isso já encarado como um fato normal, quem apurou as suas mortes? 

A Igreja cobra do Estado brasileiro uma apuração séria dos que foram assassinados por defenderem os povos e o bioma amazônico, e pede proteção a todos aqueles que se encontram ameaçados na Amazônia.

A Rádio Vaticano - Vatican News também ouviu a prof. Márcia Maria de Oliveira _ Universidade Federal de Roraima - UFRR, Assessora da REPAM:

O posicionamento da nota emitida pela rede eclesial pan-amazônica - REPAM com muita coragem exigindo que se faça investigação séria, que se faça justiça no caso do assassinato covarde do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips é uma mensagem de muita esperança no contexto em que todos os dias defensores e defensoras da Amazônia estão sendo ameaçados, torturados e assassinados. 

O caso desses dois companheiros nesta semana não são casos isolados, todos os dias ocorrem assassinatos em toda a região pan-amazônica.

Somente de 2019 para cá foram seis indígenas, lideranças do Movimento em defesa da Amazônia que foram assassinados. Famílias inteiras, como o que vem ocorrendo também com os camponeses que se posicionam em defesa da Amazônia.

Então, os defensores e defensoras da floresta correm risco de vida o tempo todo por defenderem a criação, por defenderem a casa comum e se posicionarem firmemente com os valores da ecologia integral exigindo que os bens que aqui estão, sejam bens compartilhados entre os que vivem nessa região e não levados, de forma comercializada, por aqueles que não vivem e não cuidam da região. Por aqueles que só querem extrair de forma predatória os recursos que alimentam, que garantem a vida dos povos que vivem na Amazônia.

É uma questão de justiça, é uma questão de cuidar da Casa Comum, de se posicionar firmemente frente à obra da criação, mas que tem custado muitas vidas. Então, todo apoio, toda a pressão internacional que nós conseguirmos neste momento será muito importante para fazer justiça no caso de Bruno e Dom mas também nas diversas situações de morte que nós tivemos nos últimos anos na Amazônia. De modo especial por conta de um posicionamento do governo que realmente assumiu extrair da região todas as suas riquezas, todos os seus recursos, por grupos que não tem nenhum compromisso com a Amazônia, não tem nenhuma vivência nenhuma relação com a Amazônia.


©1999 | 2024 Jornal de Curitiba Network BrasilI ™
Uma publicação da Editora MR. Direitos reservados.