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Amazônia, mulheres que fazem a Igreja

Uma mulher indígena da Amazônia (Tiago Miotto Cimi) (@Cimi)



Na edição de julho da revista mensal "Donne Chiesa Mondo" do jornal L'Osservatore Romano, que saiu no dia 1º de julho, o artigo sobre a contribuição das mulheres para a vida da Igreja católica na imensa região da América Latina. Com mais de 5.500 fiéis por sacerdote, são os leigos e leigas na Amazônia que impulsionam as comunidades e são muitas as ministras que presidem a liturgia, conduzem orações e cantos em funerais e vigílias, proferem homilias.



De Lucia Capuzzi

"Tão invisíveis quanto imprescindíveis". Esses são os dois adjetivos com os quais a Assembleia Eclesial da América Latina, experiência inédita realizada em Cidade do México, em novembro de 2021, sintetizou a condição da mulher na Igreja nesta região. Os números confirmam o papel importante do componente feminino: as catequistas são mais de 600 mil, as agentes pastorais engajadas apenas no campo educativo chegam quase a um milhão. A vida cotidiana, porém, evidencia o quanto as mulheres leigas e religiosas ainda são relegadas à periferia eclesial. Por isso, a Assembleia pediu fortemente para "incluir as mulheres de uma vez por todas na liturgia, nas decisões e na teologia".


Apesar da riqueza da reflexão teológica feminista e feminina, a esfera litúrgica é provavelmente aquela em que a presença das mulheres se tornou mais significativa. Na liturgia, o processo de encarnação do Concílio se revela na imensa região entre o Rio Bravo e a Terra do Fogo percorrida por seus bispos desde a Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín em 1968.

Dois pilares de renovação: a inculturação dos ritos e práticas e o dinamismo feminino. Em ambos os casos, mais que um projeto codificado, foi uma resposta à realidade latino-americana. Na região, os indígenas são 8% dos habitantes, os afro-americanos 20% e praticamente todos são resultado da mestiçagem, da mistura de etnias, povos e culturas após o Descobrimento-Conquista. Com, em média, mais de 5.500 fiéis por sacerdote, quase o triplo da Europa, os leigos e, sobretudo, as leigas sustentam as comunidades cristãs para as quais a Eucaristia dominical tem uma importância crucial. Como os padres são escassos, a Missa é frequentemente substituída pela celebração da Palavra.

"Nas aldeias de Belém do Alto Solimões, há muitas ministras. Elas presidem a liturgia, desde o sinal da cruz inicial até a despedida final. Mesmo quando consigo ir celebrar, deixo que elas guiem e também façam a homilia, enquanto me limito à consagração eucarística", disse o frei Paolo Maria Braghini, missionário capuchinho italiano há quase vinte anos na Amazônia brasileira. Lugar onde o peso laical na transmissão e cuidado da fé católica é decisivo. "É bom que os fiéis sejam protagonistas. De fato, as fiéis aqui como agentes pastorais são fundamentais. Não só pelo grande número. São dinâmicas, fortes, criativas, resistentes. É justo que tenham reconhecimento", sublinhou o religioso. Finalmente, estão tendo agora."

O divisor de águas foi o Sínodo da Amazônia realizado em outubro de 2019 e culminando com a Querida Amazônia. Já o documento final, assumido pela exortação, pedia a revisão do Motu proprio Ministeria quaedam para que as mulheres pudessem ter acesso aos ministérios de leitora e acólita. Um convite que o pontífice aceitou em janeiro de 2021. Duas amazonenses – as equatorianas Aurea Imerda Santi e Susana Martina Santi, do povo quéchua – foram as primeiras leitoras e acólitas oficiais da Igreja católica. "Foi um bonito presente. Entre nós Ticuna sempre foram a mulheres que mantiveram a fé católica. Agora, porém, sentimos que a Igreja nos reconhece e valoriza", disse Magnólia Parente Arambula, indígena e missionária de Nazaré, na Amazônia colombiana. Uma aldeia de 1.017 habitantes sobre a qual gravita uma galáxia de comunidades satélites de algumas dezenas de pessoas que, há dez anos, Magnólia evangeliza. "E sou evangelizada", disse ela.

A liturgia Ticuna tem traços marcadamente femininos. “Sobretudo nos funerais e na vigília que os precede, as mulheres dirigem as orações e os cantos. Quanto à Eucaristia, as fiéis são encarregadas do ofertório, no qual levam o seu trabalho como oferenda ao Senhor, representado por pequenos artefatos artesanais ou produtos agrícolas. Por fim, nos 'tempos altos' do ano litúrgico, como o Natal e a Semana Santa, muitos dos ritos são celebrados por mulheres".

Não é fácil falar de 'liturgia amazônica'. A floresta é a casa de 400 culturas e línguas diferentes na concepção da vida e da fé. Portanto, com diferentes modos de “entrar no olhar que Deus tem sobre nós”, como Romano Guardini definiu a liturgia. Por isso, a Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama), fruto do caminho pós-sinodal, lançou desde 2020 um processo de estudo para encontrar um significativo denominador comum para todos os povos originários da região. A base, real e não meramente teórica, para a elaboração de um rito amazônico que se somasse aos outros 23 que compõem a catolicidade.

"Rito não significa apenas celebrações. Ele reúne hábitos, costumes, visões cosmológicas e antropológicas. Por isso, não podemos ter pressa. O primeiro passo foi formar uma comissão de bispos, antropólogos, pastoralistas e iniciar os trabalhos no campo. A análise partiu de Manaus, no Brasil, no coração da Amazônia. Depois, vai se repetir nas dioceses antes de chegar a algo a ser proposto ad experimentum", explica Eugenio Coter, italiano que se mudou para Pando, na Bolívia, onde é vigário apostólico e representante dos bispos amazônicos na presidência da Ceama. O modelo é o do rito zairense. O mesmo que inspirou também o episcopado mexicano que, na última assembleia geral, decidiu apresentar à Santa Sé a proposta de incluir na missa alguns rituais típicos da cultura maia.

Foi formulado pela Diocese de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, onde mais de 70% da população é indígena. Três, em particular, as adaptações sugeridas: uma oração inicial conduzida pelo diretor, um indígena leigo de fé madura e cuja autoridade é reconhecida pela comunidade, uma dança típica após a comunhão e o serviço das 'incensadoras' para marcar o ritmo da celebração. “É principalmente um papel feminino. Incluí-lo de forma oficial – conclui o cardeal Felipe Arizmendi, um dos promotores da Missa maia – é um pequeno reconhecimento da ação de evangelização que dá vida às nossas comunidades”. Quase sessenta anos depois, a inculturação e a valorização da mulher são os dois caminhos pelos quais o Concílio continua caminhando pelo Continente.

Francisco: "A guerra é um contrassenso"


O Papa em conexão com o programa de televisão "Che tempo che fa", faz um amplo diálogo com o condutor Fabio Fazio que lhe pergunta como consegue suportar o peso de tantas histórias de sofrimento e dor indescritíveis: "Toda a Igreja me ajuda". Papa recorda música de Roberto Carlos.


Salvatore Cernuzio - Vatican News

"A guerra é um contrassenso". O Papa Francisco conecta-se da Casa Santa Marta, no Vaticano, com o programa televisivo "Che tempo che fa" conduzido por Fabio Fazio no canal RAI 3 e dialoga com o apresentador que o interrogou sobre muitas questões: guerras, migrantes, a proteção da criação, a relação entre pais e filhos, o mal e o sofrimento, a oração, o futuro da Igreja, a necessidade de amigos. E afirma que o perdão é um "direito humano, a capacidade de ser perdoado é um direito humano. Todos temos o direito de ser perdoados se pedirmos perdão". 


O olhar se concentra principalmente no tema caro ao Papa, o da migração. Infelizmente, este tema ainda é atual depois da recente notícia dos 12 migrantes encontrados mortos por congelamento na fronteira entre a Grécia e a Turquia. Para o Papa "isto é um sinal da cultura da indiferença". E é também "um problema de categorização": as guerras, em primeiro lugar; pessoas, em segundo lugar. O Iêmen é um exemplo disto: "Há quanto tempo é que o Iêmen sofre a guerra e há quanto tempo é que falamos das crianças do Iêmen? Um exemplo claro, e não se encontra solução para o problema há anos. 


Não quero exagerar, mais do que 7 de certeza, se não 10. Há categorias que importam e outras que estão embaixo: crianças, migrantes, os pobres, aqueles que não têm o que comer. Estes não contam, pelo menos não contam em primeiro lugar, porque há pessoas que amam estas pessoas, que tentam ajudá-las, mas na imaginação universal o que conta é a guerra, a venda de armas. Basta pensar que com um ano sem produzir armas, se poderia dar de comer e educação a todo o mundo, gratuitamente. Mas isto está em segundo plano", diz o Papa Francisco. 


Ele volta os seus pensamentos para Alan Kurdi, a criança síria encontrada morta numa praia, e para as muitas outras crianças como ele "que não conhecemos" e que "morrem de frio" todos os dias. A guerra permanece, no entanto, a primeira categoria: "Vemos como se mobilizam as economias e o que é hoje mais importante, a guerra: guerra ideológica, guerra de poderes, guerra comercial e tantas fábricas de armas", diz o Papa.


E falando de guerra, o Pontífice - perguntado sobre as tensões entre a Ucrânia e a Rússia - recorda as raízes desta horrível realidade que é "um contrassenso da criação" que remonta ao Gênesis com a guerra entre Caim e Abel, a guerra pela Torre de Babel. "Guerras entre irmãos" surgiram pouco depois da criação do homem e da mulher por Deus: "Há como que um anti-senso da criação, é por isso que a guerra é sempre destruição. Por exemplo, trabalhar a terra, tomar conta dos filhos, manter uma família, fazer a sociedade crescer: isto é construir. Fazer a guerra é destruir. É uma mecânica de destruição”.


Nesta mesma mecânica, o Papa Francisco inclui o tratamento "criminoso" reservado a milhares de migrantes. "Para chegar ao mar sofrem tanto", diz o Pontífice, e volta a denunciar as "lagers" na Líbia: "Quanto sofrem nas mãos dos traficantes aqueles que querem fugir". Há filmes que mostram isto e muitos são conservados na seção migrantes e refugiados do Dicastério para o Desenvolvimento Humano. "Eles sofrem e depois arriscam-se a atravessar o Mediterrâneo". Depois, por vezes, são rejeitados, pois alguém que, por responsabilidade local, diz "Não, aqui não vêm"; há estes navios que andam à procura de um porto, que voltam ou morrem no mar. Isto está acontecendo hoje", reitera o Papa. 


E, como em outras ocasiões, repete o princípio de que "cada país deve dizer quantos imigrantes pode acolher": "Este é um problema de política interna que deve ser bem pensado e dizer "eu posso até este número". E os outros? Existe a União Europeia, temos de concordar, para que possamos alcançar um equilíbrio, em comunhão". Neste momento, em vez disso, apenas "injustiça" parece emergir: "Eles vêm para a Espanha e Itália, os dois países mais próximos, e não são recebidos noutro lugar. 


O migrante deve ser sempre acolhido, acompanhado, promovido e integrado. Acolhido porque há uma dificuldade, depois acompanhá-lo, promovê-lo e integrá-lo na sociedade". Acima de tudo, integrá-lo a fim de evitar a guetização e os extremismos filhos de ideologias, como aconteceu na tragédia de Zaventem, na Bélgica, com os dois agressores "belgas", mas "filhos de migrantes guetizados". Além disso, os migrantes são recursos em países que registam um forte declínio demográfico. Por conseguinte, sublinha o Papa Francisco, "devemos pensar inteligentemente na política migratória, uma política continental". E o fato de que "o Mediterrâneo é hoje o maior cemitério da Europa deve fazer-nos pensar".

Da mesma forma, o Papa, interpelado sobre isto pelo apresentador, exorta a refletir sobre o que parece ser uma tremenda divisão no mundo: uma parte desenvolvida onde se tem "a possibilidade de escola, universidade, trabalho"; outra, com as "crianças que morrem, migrantes que se afogam, injustiças que vemos também nos nossos próprios países". 


A tentação "muito feia", sublinha o Pontífice, é "a de olhar para o outro lado, não olhar". Sim, há os meios de comunicação social que mostram tudo "mas nós tomamos distância"; sim, "queixamo-nos um pouco, 'é uma tragédia!" mas depois é como se nada tivesse acontecido". "Não basta ver, é necessário sentir, é necessário tocar", insiste Francisco. "Sentimos falta de tocar as misérias e o tocar leva-nos ao heroísmo". Penso nos médicos, enfermeiros e enfermeiras que deram as suas vidas nesta pandemia: tocaram o mal e escolheram ficar ali com os doentes".


O mesmo princípio se aplica à Terra. Mais uma vez, o Papa Francisco reitera o apelo a cuidar da Criação: "É uma educação que temos de aprender". O Papa olha para a Amazônia e aos problemas de desflorestação, falta de oxigênio, mudanças climáticas: existe o risco de "morte da biodiversidade", existe o risco de "matar a Mãe Terra", afirma. Prosseguiu citando o exemplo dos pescadores de San Benedetto del Tronto, que encontraram cerca de 3 milhões de toneladas de plástico num ano e tomaram medidas para remover todos os resíduos do mar. "Temos de colocar isto na nossa cabeça: tomar conta da Mãe Terra", diz o Papa. 


Francisco cita uma uma canção de Roberto Carlos na qual um filho pergunta ao seu pai "porque é que o rio já não canta. O rio não canta - o Papa destaca o Papa falando das mudanças climáticas - porque já não existe mais".


O Papa invoca uma atitude de "cuidado", que também parece faltar de um ponto de vista social. Hoje em dia o que vivemos é de fato um problema de "agressividade social", como mostra o fenômeno do bullying: "Esta nossa agressividade deve ser educada. A agressão não é uma coisa negativa em si porque é preciso agressão para dominar a natureza, para ir avante, para construir, há uma agressão positiva, digamos assim. Mas há uma agressão destrutiva que começa com algo muito pequeno, mas quero mencioná-la aqui: começa com a língua, a tagarelice. Mas a tagarelice, nas famílias, nos bairros, destrói". Destrói a "identidade". E isto acontece entre governantes, como entre as famílias. É por isso que o Papa Francisco aconselha, precisamente "para não nos destruirmos", a dizer "não à tagarelice": "Se tem algo contra o outro ou consereva só para você mesmo ou vai ter com ele e o diz na sua cara, ser corajosos, corajosas". 


Com o foco ainda nos jovens, por vezes vítimas de "uma incrível sensação de solidão" apesar de estarem hiperligados, o Papa Francisco dirigiu-se aos pais dos adolescentes, aqueles que por vezes lutam para compreender "o sofrimento dos outros". Para o Bispo de Roma, a relação entre pais e filhos pode ser resumida numa palavra: "proximidade". "A proximidade com os filhos. Quando os jovens casais se vão confessar ou quando falo com eles, faço sempre uma pergunta: 'Você brinca com os seus filhos? A gratuidade do pai e da mãe com o filho. Por vezes ouço respostas dolorosas: 'Mas padre, quando saio de casa para trabalhar eles estão dormindo e quando volto à noite eles estão de novo dormindo'. É a sociedade cruel que os separa dos filhos. Mas a gratuidade com os próprios filhos: brincar com os filhos e não ter medo dos filhos, das coisas que eles dizem, das hipóteses, ou mesmo quando um filho, já mais crescido, um adolescente, escorrega, estar perto, falar como um pai, como uma mãe". Aqueles "pais que não são próximos dos seus filhos, que, para os tranquilizar, dizem 'Mas leva a chave do carro, vai'" não fazem o bem. Por outro lado, "é muito bonito" quando os pais são "quase cúmplices dos seus filhos".


Sobre a questão da proximidade, Fazio recorda a conhecida frase do Papa: "Um homem só pode olhar um outro homem de cima para baixo quando o ajuda a se levantar". Francisco aprofunda o conceito: “É verdade, na sociedade vemos com que frequência as pessoas olham para os outros de cima para baixo para os dominar, para os subjugar e não para os ajudar a levantar. Basta pensar - é uma história triste, mas quotidiana - daqueles empregados que têm de pagar pela estabilidade do seu trabalho com o seu corpo, porque o seu patrão os olha de cima para baixo, para os dominar. É um exemplo diário, mas realmente um exemplo diário". Este gesto, por outro lado, só é lícito para fazer um ato 'nobre', ou seja, estender a mão e dizer 'levante-se irmão, levante-se irmã”. 


A conversa expande-se e toca no conceito de liberdade que é um dom de Deus mas que "é também capaz de fazer muito mal". "Como Deus nos fez livres, somos senhores das nossas decisões e também de tomar decisões erradas", diz Francisco. E ele insiste no conceito de Mal: "Há alguém que não mereça o perdão e a misericórdia de Deus ou o perdão dos homens?" pergunta o apresentador. O Pontífice responde com "algo que talvez chocará algumas pessoas": "A capacidade de ser perdoado é um direito humano. Todos temos o direito de ser perdoados se pedirmos perdão. É um direito que provém da própria natureza de Deus e foi dado como herança aos homens. Esquecemos que alguém que pede perdão tem o direito de ser perdoado. Você fez algo, deve pagar. Não! Tem o direito de ser perdoado, e se você tem uma dívida para com a sociedade, deve pagá-la, mas com o perdão”.


Contudo, há outro Mal, o inexplicável que por vezes atinge os inocentes, e pelo qual se pergunta por que razão Deus não intervém.  "Tantos males - explica o Bispo de Roma - vêm precisamente porque o homem perdeu a capacidade de seguir as regras, mudou a natureza, mudou tantas coisas, e também por causa das suas próprias fragilidades humanas. E Deus permite que isto continue". É claro que as perguntas permanecem sem resposta: "Por que é que as crianças sofrem?". "Não consigo encontrar explicação para isto", admite o Papa. "Eu tenho fé, tento amar a Deus que é meu pai, mas pergunto-me: 'Mas por que sofrem as crianças? E não há resposta. Ele é forte, sim, onipotente no amor. Em vez disso, o ódio, a destruição, estão nas mãos de outro que semeou o Mal no mundo por inveja".


E com o Mal "não se fala", recomenda o Papa, "dialogar com o Mal é perigoso": "E muitas pessoas vão, tentam dialogar com o Mal - eu também já me encontrei nesta situação muitas vezes - mas eu pergunto-me por quê, um diálogo com o Mal, isso é uma coisa má... O diálogo com o Mal não é bom, isto vale para todas as tentações. E quando esta tentação chega, "por que as crianças sofrem?", só encontro uma maneira: sofrer com elas". Dostoevsky foi "um grande mestre" nisto.


O futuro, do mundo e da Igreja, ocupa amplo espaço na entrevista. O futuro do mundo, como prefigurado na "Fratelli tutti", com o homem no centro das economias e das escolhas. Esta é uma prioridade que o Papa diz partilhar com muitos chefes de Estado que têm bons ideais. Estes, contudo, colidem com "condicionamentos políticos e sociais, também na política mundial, que impedem as boas intenções". Estas são "sombras" que exercem pressão sobre a sociedade, sobre o povo, sobre aqueles que têm papéis de responsabilidade, diz o Papa: "E depois é preciso negociar muito". 


Sobre o futuro da Igreja, Jorge Mario Bergoglio recorda a imagem da Igreja delineada por São Paulo VI na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, a inspiração para a sua Evangelii Gaudium: "Uma Igreja em peregrinação". Hoje, "o maior mal da Igreja, o maior", volta a reiterar o Papa Francisco, "é a mundanização espiritual" que, por sua vez, "faz crescer uma coisa feia, o clericalismo, que é uma perversão da Igreja". "O clericalismo que existe na rigidez, e por baixo de todo o tipo de rigidez existe a podridão, sempre", diz Francisco, contando entre as "coisas feias" da Igreja de hoje as "posições rígidas, ideologicamente rígidas" que tomam o lugar do Evangelho. "Sobre atitudes pastorais digo apenas duas, que são antigas: o Pelagianismo e o Gnosticismo. 


O pelagianismo acredita que com a minha força posso avançar. Não, a Igreja avança com a força de Deus, a misericórdia de Deus e o poder do Espírito Santo. E o gnosticismo, o misticismo, sem Deus, esta espiritualidade vazia... não, sem a carne de Cristo não há compreensão possível, sem a carne de Cristo não há redenção possível", "Temos de voltar ao centro mais uma vez: 'O Verbo tornou-se carne'. Neste escândalo da cruz, do Verbo feito carne, está o futuro da Igreja", diz o Papa.


Ele explica então a importância de rezar: "Rezar", diz, "é o que uma criança faz quando se sente limitada, impotente [ela diz] 'papai, mamãe'. Rezar significa olhar para os nossos limites, as nossas necessidades, os nossos pecados.... Rezar é entrar com força, para além dos limites, para além do horizonte, e para nós, cristãos, rezar é encontrar o 'pai'". "A criança", insiste o Papa, "não espera pela resposta do papai, quando o papai começa a responder ela vai para outra pergunta. O que a criança quer é que o olhar do seu pai esteja sobre ela. Não importa qual seja a explicação, importa apenas que o papai olhe para ela, e isso dá-lhe segurança. Rezar é um pouco isso".


As perguntas tocam depois em áreas mais pessoais: "Alguma vez se sente só? O senhor tem amigos verdadeiros", pergunta-se ao Papa. "Sim", responde, "tenho amigos que me ajudam, eles conhecem a minha vida como um homem normal, não que eu seja normal, não. Tenho as minhas próprias anomalias, eh, mas como um homem comum que tem amigos; e gosto de estar com os meus amigos às vezes para lhes contar as minhas coisas, para ouvir as deles, mas de fato preciso de amigos. 


Essa é uma das razões pelas quais não fui viver no apartamento papal, porque os papas que lá estiveram antes eram santos e eu não sou tanto assim, não sou tão santo. Preciso de relações humanas, é por isso que vivo neste hotel de Santa Marta, onde se encontram pessoas que falam com todos, se encontram amigos. É uma vida mais fácil para mim, não tenho vontade de fazer outra, não tenho a força e as amizades dão-me força. Pelo contrário, preciso de amigos, eles são poucos, mas verdadeiros".


Durante a entrevista, não faltam referências ao passado e à sua infância em Buenos Aires, à sua torcida pelo San Lorenzo, à sua "vocação" de açougueiro, às suas raízes piemontesas, e à sua experiência no laboratório de química, um estudo "que tanto me seduziu" mas sobre o qual prevaleceu o chamado de Deus. A propósito de confidências, o Papa recorda também o voto que fez a Nossa Senhora do Carmo, em 16 de julho de 1990, de não ver televisão: "Não vejo televisão, não porque a condene" e o seu amor pela música, especialmente pela música clássica. Depois, ele insiste no seu sentido de humor que, diz ele, "é um remédio" e "faz muito bem".


Como cada um dos seus discursos, o Papa Francisco pede orações por ele. "Eu preciso, e se algum de vocês não rezar porque não acredita, não sabe ou não pode, pelo menos envie-me bons pensamentos, boas ondas. Preciso da proximidade das pessoas”. A entrevista se conclui com uma imagem retirada de um filme do pós-guerra: "Para finalizar o diálogo, penso que foi Vittorio De sica que fazia o cartomante, lia as mãos 'obrigado 100 liras', eu digo a vocês '100 orações', '100 liras, 100 orações'. Obrigado".

Entrevista exclusiva

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  • Como está o tempo
  • Entrevista com o Papa Francisco
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  • São 2021/22
  • Ele é o primeiro Papa latino-americano, entre as viagens apostólicas feitas durante o seu pontificado é lembrada a de Lampedusa, poucos meses depois de sua eleição, sobre o tema do acolhimento dos migrantes, tema de importância crucial em nosso período histórico.

Papa Francisco
 Angelus 
06 de fevereiro de 2022 

Papa: a esperança é mais forte que as dificuldades, pois um Menino nasceu para nós

Diante das tantas crises, tragédias esquecidas e sofrimentos ao redor do mundo, em sua Mensagem de de Natal Francisco diz que "a esperança é mais forte, porque «um menino nasceu para nós»". Que a seu exemplo, aprendamos a escutar-nos e a dialogar, e a caminhar com Cristo pelas sendas da paz!

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano


“O Verbo fez-Se carne para dialogar conosco. Deus não quer construir um monólogo, mas um diálogo. Pois o próprio Deus, Pai e Filho e Espírito Santo, é diálogo, comunhão eterna e infinita de amor e de vida.”


Diálogo é a palavra a partir da qual o Pontífice desenvolve sua Mensagem de Natal dirigida à cidade e ao mundo, pronunciada da sacada central da Basílica de São Pedro em um 25 de dezembro chuvoso, o que não impediu a presença de milhares de peregrinos e turistas de várias partes do mundo na Praça São Pedro, na observância das novas medidas, mais restritivas, para conter a propagação da Covid-19.  


Depois da Mensagem de Natal o Papa rezou o Angelus, seguido pelo anúncio da concessão da Indulgência Plenária pelo cardeal protodiácono Renato Raffaele Martino, que então passou novamente a palavra ao Santo Padre para a Bênção, extensiva também a todos que acompanhavam pelos meios de comunicação.


O sinal da transmissão estava disponível em seis satélites e a Mensagem com a Bênção Urbi et Orbi foi transmitida em Mundovisão por cerca de 170 redes de televisão. A mídia vaticana também ofereceu serviço de tradução na língua dos sinais (LIS). Já o Vatican News ofereceu transmissões em sete línguas: português, espanhol, italiano, inglês, francês, alemão e árabe.  


Diálogo, única solução para conflitos

“Quando veio ao mundo, na pessoa do Verbo encarnado, Deus mostrou-nos o caminho do encontro e do diálogo” e “como seria o mundo sem o diálogo paciente de tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e comunidades?”, pergunta o Papa, observando que a pandemia deixou isso muito claro ao afetar as relações sociais, aumentar “a tendência para fechar-se, arranjar-se sozinho, renunciar a sair, a encontrar-se, a fazer as coisas juntos”. E a nível internacional, a complexidade da crise pode “induzir a optar por atalhos”, mas só o diálogo conduz “à solução dos conflitos e a benefícios partilhados e duradouros”.


As tragédias esquecidas

E ao lançar seu olhar para o panorama internacional, Francisco observou que contemporaneamente ao “anúncio do nascimento do Salvador, fonte da verdadeira paz, “vemos ainda tantos conflitos, crises e contradições. Parecem não ter fim, e já quase não os notamos”.


“De tal maneira nos habituamos, que há tragédias imensas das quais já nem se fala; corremos o risco de não ouvir o grito de dor e desespero de tantos irmãos e irmãs nossos.”


Oriente Médio e Afeganistão

E dentre as tragédias esquecidas por todos, o sofrimento das populações da Síria, Iraque, Iêmen, em particular das crianças. Mas também o conflito entre israelenses e palestinos, “com consequências sociais e políticas cada vez mais graves”.Belém, “lugar onde Jesus viu a luz”, vive tempos difíceis “pelas dificuldades econômicas devidas à pandemia que impede os peregrinos de chegarem à Terra Santa, com consequências negativas na vida da população”. Crise sem precedentes que atinge também o Líbano. Mas no coração da noite, surgiu um sinal de esperança. E neste dia de festa pedimos ao Menino Jesus, “a força de nos abrirmos ao diálogo”, implorando a Ele “que suscite, no coração de todos, anseios de reconciliação e fraternidade.


“Menino Jesus, dai paz e concórdia ao Médio Oriente e ao mundo inteiro. Amparai a quantos se encontram empenhados em prestar assistência humanitária às populações forçadas a fugir da sua pátria; confortai o povo afegão que, há mais de quarenta anos, está submetido a dura prova por conflitos que impeliram muitos a deixar o país.”


Myanmar e Ucrânia

Ao Rei dos Povos, o Papa pede que ajude as autoridades políticas a  pacificar “as sociedades abaladas por tensões e contrastes”, em particular Myanmar, “onde intolerância e violência se abatem, não raro, também sobre a comunidade cristã e os locais de culto, e turbam o rosto pacífico daquela população.” Mas também “luz e amparo” para quem acredita e trabalha em prol do encontro e do diálogo na Ucrânia e não permitir que "metástases dum conflito gangrenado" se espalhem pelo país.


África

O Santo Padre volta então seu olhar para os países africanos atribulados por conflitos, divisões, desemprego, desigualdades econômicas, pedindo ao Príncipe da Paz pela Etiópia para que descubra o caminho da paz e da reconciliação e para que ouça o clamor “das populações da região do Sahel, que sofrem a violência do terrorismo internacional”, bem como pelas vítimas dos conflitos internos no Sudão e Sudão do Sul.


América

Para as populações do continente americano Francisco pede que “prevaleçam os valores da solidariedade, reconciliação e convivência pacífica, através do diálogo, do respeito mútuo e do reconhecimento dos direitos e valores culturais de todos os seres humanos.”

 ⇑ Em 52'', a Bênção Urbi et Orbi


Vítimas de violência, abusos, abandono

O Papa também pede ao Filho de Deus conforto para as mulheres vítimas de violência, esperança para as crianças e adolescentes vítimas de bullying e abusos, consolação e carinho aos idosos, sobretudo os mais abandonados e serenidade e unidade às famílias, “lugar primário da educação e base do tecido social.”


Na saúde, generosidade dos corações

Para os doentes o Papa pede saúde, bem como inspiração às pessoas de boa vontade para que encontrem “as soluções mais adequadas para superar a crise sanitária e as suas consequências”:


“Tornai generosos os corações, para fazerem chegar os tratamentos necessários, especialmente as vacinas, às populações mais necessitadas. Recompensai todos aqueles que mostram solicitude e dedicação no cuidado dos familiares, dos doentes e dos mais fragilizados.”


Não renegar a humanidade que nos une

Mas não só: o olhar de Francisco também abarca civis e militares prisioneiros de guerras, migrantes, deslocados e refugiados, cujos olhos “pedem-nos para não voltarmos o rosto para o outro lado, para não renegarmos a humanidade que nos une, para assumirmos as suas histórias e não nos esquecermos dos seus dramas.”


O ambiente que deixaremos para gerações futuras

E para que as gerações futuras possam viver num ambiente respeitoso da vida, o Papa exorta as autoridades políticas a encontrarem acordos eficazes e assim sermos mais solícitos pela nossa Casa Comum, “também ela enferma pelo descuido com que frequentemente a tratamos”.


Caminhar pelas sendas da paz

“Queridos irmãos e irmãs, muitas são as dificuldades do nosso tempo, mas a esperança é mais forte, porque «um menino nasceu para nós». Ele é a Palavra de Deus que Se fez “in-fante”, capaz apenas de chorar e necessitado de tudo. Quis aprender a falar, como qualquer criança, para que nós aprendêssemos a escutar Deus, nosso Pai, a escutar-nos uns aos outros e a dialogar como irmãos e irmãs. Ó Cristo, nascido para nós, ensinai-nos a caminhar convosco pelas sendas da paz. Feliz Natal para todos!”


 

Sonhadores e construtores no meio dos destroços do mundo

 

Papa Francisco 

23 novembro 2021

Na manhã de domingo, 21 de novembro, solenidade de nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo, o Papa Francisco presidiu à concelebração da Eucaristia por ocasião da 36ª Jornada mundial da juventude. A missa, no altar da Confissão na basílica do Vaticano, começou às 10 horas. Numerosos purpurados, arcebispos, bispos e sacerdotes concelebraram com o Santo Padre e no momento da consagração, os cardeais Angelo De Donatis, vigário-geral da diocese de Roma, e Kevin Joseph Farrell, prefeito do Dicastério para os leigos, a família e a vida, aproximaram-se do altar. Durante a oração dos fiéis, foi reiterado o compromisso de «reconhecer a dignidade de cada homem e a crescente sensibilidade para com os fracos e indefesos», e lembrados em particular os jovens e quantos se encontram «em dolorosas situações de pecado». No final da celebração, quatro jovens aproximaram-se do Papa para entoar juntos a Salve Rainha perante a imagem da Mãe de Deus colocada ao lado do altar. Publicamos a seguir a homilia pronunciada por Francisco.


Duas imagens, tiradas da Palavra de Deus que ouvimos, ajudam-nos a abeirar-nos de Jesus Rei do Universo. A primeira, tomada do Apocalipse de São João e antecipada pelo profeta Daniel na primeira Leitura, aparece descrita com estas palavras: «Ele vem no meio das nuvens» (Ap 1, 7; cf. Dn 7, 13). Refere-se à vinda gloriosa de Jesus como Senhor e fim da história. A segunda imagem é a do Evangelho, quando Cristo, encontrando-se diante de Pilatos, lhe diz: «Eu sou rei» (Jo 18, 37). Faz-nos bem, queridos jovens, parar a contemplar estas imagens de Jesus, no momento em que iniciamos o caminho para a Jornada Mundial de 2023, em Lisboa.


Detenhamo-nos então na primeira: Jesus que vem no meio das nuvens. É uma imagem que alude à vinda de Cristo na glória, no fim dos tempos: faz-nos compreender que a última palavra sobre a nossa existência será a de Jesus; não a nossa! Ele — lê-se ainda na Escritura — é Aquele que «cavalga sobre as nuvens» (Sl 68, 5) e, nos céus, manifesta o seu poder (cf. Sl 68, 34-35). Por outras palavras: o Senhor vem do alto, e o seu reino jamais terá ocaso; Ele sobrevive a tudo o que passa, n’Ele está a nossa confiança eterna e inabalável. É o Senhor. Esta profecia de esperança ilumina as nossas noites. Diz-nos que Deus vem, que Deus está presente em ação e dirige a história para Ele, para o bem. Vem «no meio das nuvens» para nos tranquilizar, como se dissesse: «Não vos deixo sozinhos, quando a vossa vida é envolvida por nuvens escuras. Estou sempre convosco. Venho para aclarar e restabelecer o sereno».


Entretanto o profeta Daniel especifica que viu o Senhor vir no meio das nuvens, «contemplando a visão noturna» (Dn 7, 13). Na visão noturna, ou seja, Deus vem durante a noite, por entre as nuvens muitas vezes tenebrosas que se acumulam sobre a nossa vida. Cada um de nós conhece estes momentos. É preciso reconhecê-lo, olhar além da noite, levantar o olhar para o ver no meio da obscuridade.


Queridos jovens, contemplar na visão noturna: que significa isto? Ter olhos lúcidos mesmo no meio das trevas, não cessar de procurar a luz no meio das trevas que muitas vezes trazemos no coração e vemos ao nosso redor. Levantar o olhar da terra, na direção do alto, não para fugirmos, mas para vencermos a tentação de permanecer deitados nos pavimentos dos nossos medos. Este é o perigo: que nos dominem os nossos medos. Não fiquemos fechados nos nossos pensamentos a chorar a nossa sorte. Levanta o olhar, levanta-te: este é o convite. Levanta o olhar, levanta-te: é o convite que o Senhor nos dirige e que fiz ecoar na Mensagem que vos dediquei a vós, jovens, para acompanhar este ano da caminhada. Trata-se da tarefa mais árdua, mas constitui a tarefa fascinante que vos é confiada: permanecer de pé enquanto tudo parece desmoronar; ser sentinelas que sabem ver a luz na visão noturna; ser construtores no meio das ruínas — e há tantas no mundo atual, tantas! — ser capazes de sonhar. E, para mim, aqui está a chave: um jovem que não seja capaz de sonhar, coitado, envelheceu antes do tempo! Ser capazes de sonhar, pois é isto que faz quem sonha: não se deixa absorver pela noite, mas acende uma chama, acende uma luz de esperança que anuncia o amanhã. Sonhai, sede diligentes e olhai para o futuro com coragem.


Quero dizer-vos que nós, todos nós, vos estamos gratos quando sonhais. «Mas será verdade isto? Os jovens quando sonham, às vezes fazem barulho…». Fazei barulho, porque o vosso barulho é o fruto dos vossos sonhos. Significa que não quereis viver na noite, quando fazeis de Jesus o sonho da vossa vida e o abraçais com alegria, com um entusiasmo contagiante que nos faz bem. Obrigado! Obrigado por todas as vezes que sois capazes de realizar os sonhos com coragem, por todas as vezes que não cessais de acreditar na luz mesmo dentro das noites da vida, por todas as vezes que vos empenhais com paixão em tornar mais belo e humano o nosso mundo. Obrigado por todas as vezes que cultivais o sonho da fraternidade, por todas as vezes que tendes a peito as feridas da criação, lutais pela dignidade dos mais frágeis e propagais o espírito da solidariedade e da partilha; e obrigado sobretudo porque, num mundo que, fixado nos lucros do presente, tende a sufocar os grandes ideais, não perdestes a capacidade de sonhar. Não viver dormentes nem anestesiados. Isto não; sonhar vivos. Isso ajuda-nos a nós, adultos, e à Igreja. Sim, também como Igreja, precisamos de sonhar, temos necessidade do entusiasmo, temos necessidade do ardor dos jovens para sermos testemunhas de Deus, que é sempre jovem.


E gostaria de vos dizer outra coisa: muitos dos vossos sonhos correspondem aos do Evangelho. A fraternidade, a solidariedade, a justiça, a paz são os mesmos sonhos que Jesus tem para a humanidade. Não tenhais medo de vos abrir ao encontro com Ele, que ama os vossos sonhos e vos ajuda a realizá-los. O cardeal Martini dizia que são úteis à Igreja e à sociedade «sonhadores que nos mantenham abertos às surpresas do Espírito Santo» (Conversazioni notturne a Gerusalemme. Sul rischio della fede, p. 61). Sonhadores que nos mantenham abertos às surpresas do Espírito Santo. É bom sê-lo! Espero que estejais entre estes sonhadores!


E agora passemos à segunda imagem: Jesus que diz a Pilatos «Eu sou rei». Impressionam a sua determinação, coragem e liberdade suprema. Foi preso, trouxeram-no ao pretório, está a ser interrogado por quem pode condená-lo à morte. E numa circunstância assim, teria podido deixar prevalecer um direito natural a defender-se, procurando talvez «ajustar as coisas» com um compromisso. Em vez disso, Jesus não esconde a própria identidade, não disfarça as suas intenções, não aproveita uma réstia de salvação que o próprio Pilatos deixava aberta. Não, não aproveita. Com a coragem da verdade, responde: «Eu sou rei». Responde com a sua vida: vim para uma missão e vou até ao fim para testemunhar o Reino do Pai. «Para isto nasci, e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade» (Jo 18, 37). Jesus é assim. Sem qualquer simulação, proclama com a própria vida que o seu Reino é diferente dos reinos do mundo: Deus não reina, para aumentar o seu poder e esmagar os outros; não reina com os exércitos e com a força. O Seu é o Reino do amor: «Eu sou rei», mas deste reino do amor; «Eu sou rei», do reino de quem dá a própria vida pela salvação dos outros.


Queridos jovens, fascina a liberdade de Jesus! Deixemos que nos toque dentro, comova e suscite em nós a coragem da verdade. E nós podemos perguntar-nos: aqui e agora, se eu estivesse no lugar de Pilatos com Jesus diante de mim olhos nos olhos, de que sentiria vergonha? Perante a verdade de Jesus, a verdade que é Jesus, quais são as minhas falsidades que não se aguentam de pé, as minhas duplicidades de que Ele não gosta? Têm-nas cada um de nós. Procurai-as, procurai-as. Todos nós temos destas duplicidades, destes comprometimentos, deste «ajustar as coisas» para que a cruz se afaste. Temos de nos colocar diante de Jesus, para verificar a verdade em nós. Precisamos de o adorar para sermos livres por dentro, iluminarmos a vida e não nos deixarmos enganar pelas modas do momento, pelos fogos de artifício deste consumismo que cega e paralisa. Amigos, não estamos aqui para nos fazer encantar pelas sereias do mundo, mas para assumirmos a nossa vida, aferrarmos a vida vivendo-a plenamente.


Assim, na liberdade de Jesus, encontramos também a coragem de ir contracorrente. Esta é uma expressão que quero evidenciar: ir contracorrente, ter a coragem de ir contracorrente; não contra alguém — que é a tentação de todos os dias — como os que se fazem de vítima e os intrigantes que sempre dão a culpa aos outros. Isso não; mas contra a corrente doentia do nosso eu egoísta, fechado e rígido, que muitas vezes procura aliados para sobrevier. Não, isto não. Ir contracorrente para seguirmos o rasto de Jesus. Ele ensina a lançar-nos contra o mal só com a força mansa e humilde do bem; sem atalhos, sem falsidades nem duplicidades. O nosso mundo, ferido por tantos males, não precisa de outros compromissos ambíguos, de pessoas que giram para cá e para lá como as ondas do mar — vão para onde as leva o vento, para onde as levam os próprios interesse — de quem se posiciona com um pé à direita e outro à esquerda, depois de ter sondado o que convém. Os “equilibristas”. Um cristão que age assim, parece mais um equilibrista do que um cristão. Os equilibristas buscam sempre uma via para não sujar as mãos, para não comprometer a vida, para não apostar a sério. Por favor, tende medo de ser jovens equilibristas. Sede livres, sede autênticos; sede consciência crítica da sociedade. Não tenhais medo de criticar! Precisamos das vossas críticas. Muitos de vós estão a criticar, por exemplo, contra a poluição ambiental. Precisamos disso! Sede livres nas críticas. Tende a paixão da verdade, para poderdes dizer com os vossos sonhos: a minha vida não está escravizada às lógicas deste mundo, porque reino com Jesus em prol da justiça, do amor e da paz! Queridos jovens, espero que cada um de vós possa sentir a alegria de dizer: «Com Jesus, também eu sou rei». Sou rei: sou um sinal vivo do amor de Deus, da sua compaixão e da sua ternura. Sou um sonhador encandeado pela luz do Evangelho, e contemplo esperançado na visão noturna. E, quando caio, encontro em Jesus de novo a coragem de lutar e ter esperança, a coragem de voltar a sonhar. E isto, em todas as idades da vida!



Nunca me esqueço de vós ouço os vossos gritos


Os gritos de migrantes e refugiados na Líbia — milhares de homens, mulheres, crianças detidos em verdadeiros
lagers e submetidos a uma violência desumana — ressoam no coração do Papa Francisco, que, no Angelus de domingo 24 de outubro, denunciou com tom severo e veemente a situação muito grave do país, apelando à comunidade internacional e invocando soluções comuns, concretas e duradouras para a gestão dos fluxos migratórios.


Para o Pontífice é necessário, em particular, pôr fim ao retorno dos migrantes a países inseguros e dar prioridade ao socorro das vidas humanas no mar com dispositivos de salvamento e desembarque previsível, para lhes garantir condições de vida dignas, alternativas à detenção, rotas regulares de migração e acesso aos procedimentos de asilo.


E no Dia mundial das missões o Pontífice agradeceu aos muitos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos que, na linha de frente, dedicam as suas energias... e a própria vida para testemunhar o Evangelho nas terras que não conhecem Jesus. Precedentemente, comentando como de costume o Evangelho dominical, o Papa explicou a figura do cego Bartimeu.

L'Osservatore Romano

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