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Acampamento bolsonarista foi central em ataques do dia 8 de janeiro

Interventor da segurança no DF concedeu entrevista coletiva hoje

Interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal (DF), Ricardo Cappelli.© Marcelo Camargo/Agência Brasil


Agência Brasil 

O interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal (DF), Ricardo Cappelli, apontou hoje (27) o acampamento bolsonarista em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, como central para os ataques golpistas que resultaram na invasão e depredação das sedes dos três poderes, no dia 8 de janeiro, na capital.


“Isso [a centralidade do acampamento] fica claro e evidente porque todos os atos de vandalismo que aconteceram na capital, passaram, tiveram a sua organização, o seu planejamento e o ponto de apoio naquele acampamento que virou um centro de construção de planos contra a democracia brasileira”, disse.


Cappelli disse ainda que houve falta de comando e responsabilidade do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, e do alto comando da Polícia Militar no planejamento operacional relacionado aos atos do dia 8, uma vez que havia um relatório de inteligência mostrando a intenção de prática de violência.


"Na melhor das hipóteses faltou comando e responsabilidade. A Justiça está apurando e esse conjunto de coincidências podem caracterizar algo muito pior do que ausência de comando e responsabilidade", afirmou.


As considerações de Cappelli foram feitas durante a entrega do relatório detalhado sobre o episódio. A previsão era de que o documento fosse entregue ontem (26), mas houve adiamento para que imagens da depredação ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) fossem analisadas.


O interventor disse que o documento servirá para apurar o que aconteceu e na individualização das condutas das pessoas envolvidas com os ataques. Cópias do relatório foram encaminhadas para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e para o ministro do STF, Alexandre de Moraes, responsável por conduzir o inquérito que apura os atos. Será possível acessar o documento na íntegra, na página do ministério.


De acordo com o interventor, os eventos que ocorreram em Brasília desde o final do ano passado até o ataque terrorista do dia 8 passaram pelo acampamento, entre eles a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, no dia 12 de dezembro, que resultou no incêndio a veículos e a tentativa de explosão de uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília.


“Em todos esses eventos, todos os distúrbios no Distrito Federal, esses elementos saíam do acampamento, praticavam atos e depois regressavam para dentro do Setor Militar Urbano [onde fica o Quartel General do Exército]. Isso é importante registrar: a centralidade daquele acampamento em todos os atos criminosos registrados no Distrito Federal, ao longo de novembro, dezembro e que culminaram no dia 8”, afirmou.


Cappelli também disse que o relatório mostra que o acampamento de apoiadores do ex-presidente tinha uma grande estrutura, com uma grande cozinha, banheiros químicos, geradores, chegando a ter mais de 300 veículos estacionados, entre eles caminhões vindos de diferentes estados do país e que na véspera do ataques do dia 8 de janeiro, o local abrigava cerca de 4 mil pessoas.


“Você tinha toda uma infraestrutura montada, numa verdadeira minicidade golpista, terrorista em frente o Quartel General do Exército”, apontou.


Desde que o acampamento foi montado – logo após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais –, foram registradas 73 ocorrências policiais, em casos de roubo e furto. O relatório aponta ainda que houve a tentativa de desmobilização do acampamento, ainda no final do ano passado, mas que houve resistência por parte do Comando Militar do Planalto.


“As nossas polícias, Militar e Civil, em conjunto, tentaram fazer incursões no acampamento para coibir o comércio ilegal, para desmontar. Inclusive houve a mobilização de homens para essas operações registradas e que foram canceladas na véspera por ponderações feitas pelo Exército brasileiro, pelo Comando Militar do Planalto”, disse.


O interventor apontou que após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma redução no número de acampados, mas que o quantitativo voltou a crescer na antevéspera dos ataques terroristas.


“As investigações vão dizer se isso foi uma tática para despistar ou o que que houve. Mas o fato é que no dia seguinte o acampamento sofre um processo de desmobilização e quando chega no dia seis e sete ele explode novamente e chega a ter ali concentrações de em torno de 4 mil pessoas no dia 7 de janeiro”, disse.


Plano operacional

Outro ponto destacado por Cappelli foi que no dia 6 de janeiro, um documento da inteligência da polícia apontando a intenção de um ato golpista foi entregue ao gabinete do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres.


“Nesse relatório de inteligência dizia que uma manifestação era convocada como tomada do poder. Existia a ameaça concreta de invasão aos prédios públicos e ali está escrito tudo o que poderia acontecer”, disse.


Cappelli citou a atuação de Torres como secretário de segurança como um fator que gerou instabilidade. Logo ao assumir o cargo, no dia 2 de janeiro, Torres trocou todo o comando da Secretaria de Segurança.


“O impacto da posse do senhor Anderson Torres, no dia 2, com a instabilidade que ele gerou com as trocas. O gabinete recebe um relatório de inteligência e não tem nenhum desdobramento”, disse.


Segundo o interventor, diante do alerta, a secretaria deveria elaborar um plano operacional e pedir para as forças de segurança, em especial a Polícia Militar, um plano de ações, com diretrizes para a atuação e mobilização de tropas.


“No dia 8 isso não aconteceu. Não há plano operacional, nem ordem de serviço. De forma que não há um registro de quantos homens iriam a campo. O que houve foi apenas um repasse burocrático do ofício recebido para algumas unidades pelo Departamento de Operações da PM. Isso é central porque quem faz esse planejamento é o Departamento de Operações, o DOP da Polícia Militar. O então chefe em exercício do DOP, coronel Paulo José, encaminha burocraticamente esse memorando para algumas unidades”, pontuou.


O interventor disse ainda que as unidades mais diretamente relacionadas e esse tipo de evento não foram sequer acionadas, entre elas o Batalhão de Operações (Bope), o Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães), o Batalhão de Aviação Operacional (Bavop) e o Regimento de Polícia Montada (RPMon).


“Há uma falha operacional, porque o relatório de inteligência que existe não gera o desdobramento operacional adequado. Quando a gente olha para o dia primeiro [data da posse de Lula] a gente vê uma diferença grande do que foi feito nesse dia e na falha operacional do dia 8”, comparou.


O relatório, disse Cappelli, mostra que no dia dos ataques o número de policiais militares mobilizados para atuar na Esplanada dos Ministérios, de 555, era o previsto para uma rotina ordinária.


“Tem um vídeo com as câmeras da Secretaria de Segurança onde pode-se constatar que não tínhamos metade disso na esplanada. A impressão que dá no vídeo é que haviam 150 homens na Esplanada naquele dia. É um efetivo que não guarda correspondência com o alerta de inteligência do dia 6”, criticou.


A manifestação saiu do QG do Exército por volta das 13h do dia 8 de janeiro e ao longo do caminho há registro de apreensões feitas pela polícia de pessoas com máscara, com bolas de gude, com utensílios que já apontavam para a intenção de uma ação mais violenta. A quebra da linha de contenção na altura da Alameda dos Estados, em frente ao Congresso Nacional, ocorre por volta de 14h43.


“O que demonstra que, entre a saída da manifestação e a chegada e quebra da linha de contenção tivemos em torno de uma hora e quarenta minutos, tempo suficiente para que fossem acionadas tropas para dar suporte a linha, uma vez que estava ficando clara a intenção dos manifestantes. O acionamento se dá somente as 15h e quando algumas tropas chegam na esplanada [a sede] os três poderes já estavam invadidos”, disse.


O interventor também citou a fragilidade da barreira de contenção que deveria contar com gradis duplos e amarrados uns aos outros. No dia dos ataque havia apenas gradis simples e que não estavam interligados. Segundo ele isso facilitou a ação dos terroristas que agiram de forma coordenada.


“Foi uma ação organizada, uma ação profissional, porque você vê pessoas com rádios comunicadores e é impressionante como, em um dado momento, todos se levantam ao mesmo tempo e puxam a primeira linha de gradis e elas tombam de ponta a ponta, foi um movimento coordenado”, afirmou.


Comando e Planejamento

No dias dos ataques, Cappelli disse que nove coronéis, responsáveis por diferentes batalhões, estavam de férias. “Essa é uma outra questão que pode ter tido impacto sobre os eventos que ocorreram no dia 8”, disse.


O interventor disse ainda que o Comandante da Polícia Militar, Fábio Augusto, esteve desde o início da manhã no campo de operações e que atuou para tentar defender a linha no Congresso Nacional e depois no STF. O militar está preso desde o dia 12 de janeiro.


“Apesar das tentativas dele de mobilizar os outros batalhões, as ordens e os apelos dele não foram atendidas. O comandante esteve em campo, atuou individualmente, mas perdeu o comando e a capacidade de comando das tropas ao longo do dia 8. Fez apelos que foram ignorados e não foram atendidos”, disse.


Cappelli também abordou a sua atuação como interventor, no cargo há 19 dias. Entre os desdobramentos citados estão a exoneração de seis coronéis que estavam em posição de comando no dia 8 e abertura de seis Inquéritos Policiais Militares (IPM’s) para apurar a atuação de militares, do comando da tropa, da ação da PM no ataque ao STF, entre outras questões.


”Foi aberto um IPM específico para apurar aquele evento no STF. Ali a gente tem uma sucessão de problemas, desde um planejamento operacional inexistente que coloca um número de homens insuficiente, até a postura passiva e inaceitável diante de uma grave ameaça à República”, disse.


Segundo o interventor, também será investigada a ordem dada para que as tropas que estavam próximas ao Supremo se retirassem do local. As imagens com a saída da tropa geraram críticas na atuação dos policiais.


“O major que dá aquele comando relata que recebeu um comando para auxiliar o comandante Fábio Augusto no Congresso Nacional que tinha acabado de ser invadido. Verificamos as imagens e elas confirmam o que ele diz”, disse.


“Por que foi dada essa ordem que deixou o STF desguarnecido? O que está claro é que não houve evasão do campo. A imagem prova que ele sai dali e vai para o Congresso Nacional. Se o movimento foi correto ou não foi, o que motivou esse movimento o IPM vai apurar”, acrescentou.


Ele disse ainda que desde o momento em que foi designado interventor esteve diretamente no campo e acompanhou a retirada dos terroristas das sedes dos três poderes e que efetuou ainda algumas prisões, tendo subido até o acampamento, com a intenção de desmontá-lo. Segundo ele, o então Comandante Militar do Planalto, General Dutra, “ponderou que seria mais adequado para evitar qualquer tipo de conflito a noite, entrar na manhã do dia seguinte.”

'CACs, precisamos de vocês': a convocação a donos de armas para invasão em Brasília

Bolsonaristas invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e a sede do STF no dia 8 de janeiro. @REUTERS



  • Leandro Prazeres - @PrazeresLeandro
  • Da BBC News Brasil em Brasília

"Atenção CACs: precisamos de vocês. Estejam juntos com o povo nesse levante para proteger a população e os irmãos Patriotas em Brasília". Foi assim que donos de armas de fogo de todo o país agrupados pela sigla CAC (colecionador, atirador desportivo e caçadores) foram convocados para atos como a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.


Não há dados oficiais sobre a quantidade de CACs presos entre os invasores detidos pelas autoridades em Brasília, mas pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que esse tipo de convocação cria um risco em casos de atos semelhantes no futuro.


As investigações sobre a invasão em Brasília ainda estão em curso e são conduzidas pelas polícias Federal e Civil e pelo Ministério Público Federal (MPF). Pelo menos 1,3 mil pessoas estão presas.


Os investigadores já concluíram que boa parte dos invasores chegou à capital federal atendendo a convocações de para um protesto contra a vitória de Lula. Esses chamados circularam em redes sociais como o Telegram, WhatsApp, Facebook, entre outras.



Lideradas por militantes bolsonaristas, algumas dessas convocações tentaram mobilizar membros da base mais fiel de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre esses grupos, estavam os CACs.


Os professores e pesquisadores David Nemer (Universidade da Virgínia, nos EUA) e Leonardo Nascimento (Universidade Federal da Bahia) monitoram grupos bolsonaristas em aplicativos como o Telegram para diferentes projetos de pesquisa e apontam que houve uma série de mensagens convocando a participação dos CACs nos atos no período que antecedeu a invasão das sedes dos Três Poderes.


Em uma delas, há uma divisão de tarefas e indicações sobre que papel os CACs deveriam desempenhar: hackers e especialistas em TI deveriam derrubar sistemas do governo federal enquanto os CACs ficariam responsáveis por "proteger a população".

Mensagem que circulou em redes sociais bolsonaristas convocou CACs para participar de atos contra a eleição de Lula. REPRODUÇÃO / INSTAGRAM

Em outra, há um plano delineado sobre como funcionaria a sequência de atos organizados pelo grupo. Nesta, a função dos CACs seria "dar suporte" aos invasores.

Mensagem com convocação a CACs pedia "suporte" de donos de armas. REPRODUÇÃO / FACEBOOK

Circulação e risco

David Nemer estuda grupos bolsonaristas há alguns anos e diz que, no "ecossistema" desse segmento, a função imaginada para os CACs sempre foi bem definida.


"Dentro desse ecossistema, os CACs seriam aqueles que trariam a força armada para forçar um eventual golpe de estado. Essa era a expectativa", diz o pesquisador.


Leonardo Nascimento diz que, desde que iniciou os estudos sobre grupos bolsonaristas, os CACs sempre fizeram parte da base de apoio do ex-presidente.


"Os CACs viraram um dos pilares do bolsonarismo. Numericamente, eles não são tão representativos quanto evangélicos, por exemplo. Mas como eles têm acesso a armas, os CACs são um dos grupos que mais demanda atenção", diz Nascimento.


Nemer afirma que, até o momento, não há elementos para afirmar que os CACs aderiram, em massa, ao protesto, mas que isso não significa que a situação esteja sob controle.


Ele diz que atos como o do início do mês têm dois efeitos colaterais diversos sobre os bolsonaristas. Um deles é que atos de vandalismo afastam elementos mais moderados do movimento.


Por outro lado, explica Nemer, integrantes mais radicais tendem a resistir e a radicalizar ainda mais.


"O que pode acontecer no futuro, em novas convocações, é vermos um grupo mais radical atendendo a esse pedido. Basta apenas uma pessoa armada para fazer um estrago irreversível", explica.


Leonardo Nascimento afirma que algumas das mensagens com convocações a CACs podem ter chegado a dezenas de milhares de pessoas.


"Os canais no Telegram não têm limite de integrantes. Alguns grupos podem ter até 200 mil pessoas. Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas que podem ter lido esse tipo de mensagem", afirmou o pesquisador.


Um dos exemplos de como a retórica extremista pode afetar CACs, ainda segundo Leonardo Nascimento, é George Washington de Sousa. Ele é um dos três réus no processo que apura uma tentativa de explodir uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília, em dezembro do ano passado.


Em seu depoimento à Polícia Civil, o gerente de postos de gasolina que está preso em Brasília admitiu ter montado a bomba desarmada pelas autoridades do Distrito Federal e afirmou que virou um CAC motivado pelo discurso de Jair Bolsonaro. Com ele, a polícia apreendeu pistolas, um fuzil, cargas explosivas e munições.


Um outro exemplo de convocação de CACs levou à prisão do empresário Milton Baldin, que, segundo as investigações, usou as redes sociais para convocar atiradores para uma manifestação durante a posse de Lula, em Brasília.


"Gostaria de pedir ao agronegócio, aos empresários, que deem férias aos caminhoneiros e mandem os caminhoneiros para Brasília. São só 15 dias, não vai fazer diferença. Também pedir aos CACs, atiradores que têm armas legais... Somos 900 mil atiradores no Brasil hoje, venham aqui mostrar presença", disse Baldin no vídeo que circulou pelas redes sociais nos dias anteriores à posse do presidente.


O que é um CAC?

CAC é a sigla pela qual é conhecida a pessoa física que obteve o direito de comprar ou portar armas de forma legal. No Brasil, para que uma pessoa seja considerado um CAC, ela precisa preencher um requerimento junto ao governo federal e apresentar uma série de documentos.


Ao longo de seu governo, Bolsonaro assinou decretos que facilitaram a compra de armamentos e munições por civis. O presidente chegou a defender que todo cidadão tivesse um fuzil. Medidas e manifestações como essas consolidaram o apoio de parte dos CACs ao agora ex-presidente.


Um levantamento feito pela organização não-governamental Sou da Paz em junho de 2022 estimou que o número de CACs no Brasil aumentou 473% entre 2018 e 2022, saindo de 117,5 mil para 673,8 mil.


Após assumir o poder, Lula revogou alguns dos decretos que flexibilizaram as normas para aquisição de armas assinados por Bolsonaro.

Em Israel, Bolsonaro postou em rede social foto com arma israelense. Na legenda, defendia o decreto que assinou no início do ano, que aumenta o acesso à posse de armas. Foto: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM JAIR BOLSONARO

Invasão

Na tarde do dia 8 de janeiro, milhares de bolsonaristas insatisfeitos com a eleição de Lula e defendendo pautas como o fechamento do Congresso Nacional invadiram as sedes dos três poderes da República.


Eles chegaram a Brasília em dezenas de ônibus e ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central da cidade, ao longo do dia. Rapidamente, eles invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Móveis, vidraças e obras de arte foram destruídas ou danificadas.Após a invasão, o presidente Lula anunciou uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, foi nomeado interventor.


Horas mais tarde, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi afastado temporariamente pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes. No sábado (14), o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres foi preso preventivamente, por ordem de Moraes. Ele é investigado por ter sido supostamente omisso em relação ao planejamento da operação de segurança que deveria impedir a invasão do dia 8 de janeiro. Em suas redes sociais, Torres negou qualquer irregularidade e disse que irá se defender na Justiça.


Na semana passada, o ex-presidente Bolsonaro foi incluído em um dos inquéritos abertos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar os responsáveis por incitar as invasões.


- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64299069

“Plataformas digitais foram coniventes com atos antidemocráticos em Brasília”, diz especialista



As plataformas digitais ocuparam um papel central na organização dos atos antidemocráticos e de vandalismo que ocorreram contra as instalações do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal no último domingo (8). O incidente expõe a falta de estrutura e de capacidade de análise para gerenciar essas informações nas redes, mas, principalmente a conivência dos ambientes digitais com os ataques bolsonaristas.


Por Andréia Gomes Durão, da RFI

De acordo com o Desinformante, especializado na análise da veracidade das informações compartilhadas nas redes e seus impactos na sociedade, um grupo de pesquisadores realizou um levantamento sobre a movimentação nos grupos e canais bolsonaristas e golpistas que culminaram nas cenas de terrorismo.


A organização dos atos foi realizada durante toda a semana, com caravanas chegando à Brasília. Essas viagens foram amplamente divulgadas como ‘tudo pago’ nas redes para atrair mais manifestantes. O grupo de pesquisadores também indicou que a narrativa foi impulsionada por influenciadores e políticos bolsonaristas nas redes sociais, a exemplo do deputado Bibo Nunes.


Nina Santos, coordenadora do Desinformante e diretora do Aláfia Lab, destaca alguns pontos importantes nesse contexto, como o fato dos atos antidemocráticos estarem sendo anunciados e articulados há muito tempo, ainda que não se soubesse exatamente quando aconteceriam.

“Existe essa dificuldade de mensurar de fato qual vai ser a repercussão fora das redes dessas articulações que acontecem dentro das plataformas digitais. Mas uma série de entidades da sociedade civil já estava em diálogo com as plataformas durante todo o ano passado, sobre a necessidade de você ter políticas específicas para conter esse tipo de ato de movimento contra a ordem democrática. E nenhuma das plataformas digitais tem políticas para esse tipo de situação”, ela critica.


Nina Santos, coordenadora do *desinformante, diretora do Aláfia Lab e pesquisadora do INCT.DD © Arquivo pessoal


Sem políticas específicas

As plataformas teriam políticas para atos violentos, para questionamentos de resultados eleitorais, mas nenhuma tem políticas específicas para esse tipo de movimento, que não está necessariamente associado a um questionamento expresso do resultado eleitoral.


“Às vezes, as pessoas estão simplesmente pedindo intervenção militar ou, enfim, usando outro tipo de argumento que não seja questionar o resultado das urnas diretamente, ainda que seja óbvio que isso esteja no background e também não necessariamente estão convocando para atos violentos”, explica Nina, que também é pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).


Para a especialista, quando as pessoas convocam a ocupação do Congresso, por exemplo, não necessariamente estão apelando para a violência. E as plataformas digitais tinham sido alertadas para isso, uma vez que já tinham participado de um episódio semelhante, há dois anos, nos Estados Unidos, com a invasão do Capitólio.


“As plataformas já sabiam que isso poderia acontecer. Então foi de fato, sim, uma leniência e um despreparo total e absoluto. As plataformas diziam que tinham protocolos de crise para esses momentos, mas esses protocolos ou não existem ou não foram colocados em prática”, adverte a pesquisadora.


“As plataformas digitais foram muito coniventes com esses atos antidemocráticos, deixaram rolar solto”, continua Nina, “A gente teve vídeos, teve transmissões ao vivo, teve monetização inclusive desses conteúdos. Pedidos de doação de dinheiro sendo feito diretamente em plataformas como YouTube. Então, foi um comportamento bastante grave nesse sentido”.


Como redes sociais foram usadas para ataques ao Congresso AFP - SERGIO LIMA


“Festa da Selma”

Outro ponto ressaltado pela especialista é a combinação de diferentes estratégias de rede, uma articulação nas redes privadas, especialmente Telegram e WhatsApp, mas teve também um uso bastante estratégico de redes mais abertas, como Twitter, Instagram e o próprio YouTube, usando expressões-código, inclusive, para tentar fugir dos monitoramentos.


A Agência Lupa, que também atua na análise da veracidade das informações que circulam nas plataformas digitais, identificou a expressão “Festa da Selma” como um dos códigos amplamente utilizados pelos golpistas para se referirem aos atos em Brasília.


Além da conivência das plataformas digitais, os episódios de golpismo também parecem ter trazido à luz uma grande falta de capacidade de monitoramento e de previsão desse tipo de ato.


“Há dois problemas principais que levam a essa falha: uma primeira é uma falha de fato de estrutura. Existem poucos ambientes ainda onde esse monitoramento de redes é feito de forma contínua, sistemática e eficiente. Houve uma mobilização maior durante o período de campanha, mas passado este período, sobretudo passado o período de posse, esses esforços foram sendo desmobilizados e ainda não estão mobilizados dentro da nova estrutura de governo”, aponta Nina Santos.


Além desta falta de percepção do quão estratégico é o monitoramento desses ambientes digitais, outra questão importante é a dificuldade de avaliação do que circula nessas redes.


“Quando chegamos a um momento como este, que é o ápice dessa mobilização, com invasão de instituições, a gente olha para as mensagens que estavam circulando, e estavam, sim, sendo monitoradas, e vemos que os indícios estavam ali. A questão é que são tantos indícios que fica difícil avaliar o que realmente vai gerar um movimento concreto de ataque à democracia e às instituições”, ela analisa.


“Depois que o fato acontece, é sempre mais fácil olhar e avaliar que aquilo era sim importante. Mas no momento em que acontece, é difícil de ter a dimensão que aquilo pode efetivamente tomar”, acrescenta.




Outro lado
Agora, a capilaridade e a dinâmica das redes sociais têm sido utilizadas contra os golpistas. Diversas iniciativas nas plataformas digitais unem esforços para localizar um número cada vez maior de bolsonaristas que participaram dos ataques na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. No Instagram, a conta Contragolpe Brasil busca identificar essas pessoas, assim como a própria Agência Lupa, que criou um banco de dados para recolher posts antidemocráticos, com o objetivo de mapear como foram organizados os atos de vandalismo.


O movimento vem sendo seguido por celebridades e diversos políticos pró-governo, que compartilham o e-mail de denúncias criado pelo Ministério da Justiça (denuncia@mj.gov.br).


O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou, nesta segunda-feira (9), que o Facebook, o Twitter, o Instagram e o TikTok realizem a suspensão de canais e perfis identificados de manifestantes golpistas que participaram e incitaram a invasão do Congresso Nacional, da sede do STF e do Palácio do Planalto.


Além do bloqueio, Moraes determina que os dados cadastrais dos usuários e conteúdo das contas sejam fornecidos à corte.

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