Foto: ilustrativa/Freepik
Por Clécio Branco*
O que é a vida? Diante dessa pergunta, logo nos vem à consciência a vida dos indivíduos, das pessoas. Quando repensamos, vem-nos a ideia de vida dos animais, das plantas etc. Mas existe o incomensurável plano da vida pré-individual — e, nesse, raramente pensamos.
A realidade pura da vida se encontra antes, através e após os indivíduos vivos: seja a de uma formiga, de um organismo unicelular, de um elefante, de um vírus ou de um homem. Nem mesmo pensamos no fato de que ela sempre existiu.
A vida é eterna, portanto, há um equívoco na espera da eternidade — ela já é desde sempre. Estamos inexoravelmente mergulhados nela, na vida que só pode ser eterna. O que morre é o indivíduo; a vida jamais morre.
A filosofia definiu a vida de uma forma extraordinária: “A vida é pré-individual, pré-subjetiva, ontológica, imanência pura”, afirma Gilles Deleuze. A vida é antes da formação de qualquer ente e preexiste a qualquer formação de subjetividade (mente, pensamento, percepção, valores etc.).
A vida não tem começo nem fim, tanto no sentido de término como no de propósito. Do mesmo modo, o universo. Por isso, “se o universo tivesse uma posição de equilíbrio, se o devir tivesse um objetivo ou um estado final, ele já o teria atingido”, diz Nietzsche.
Não há nenhum valor necessariamente correspondente à vida. Ela não é má, não é bela, não é feia, nem mesmo é boa. A vida é a vida. Não tem um começo e nunca termina. Não se remete a um sujeito nem se dirige a um objeto. Logo, ela não existe por causa de alguma coisa, para alguma coisa. Ela não depende de nada fora dela.
Só a vida das pessoas pode vir a ser boa ou má, triste ou alegre, com ou sem sentido. Não excluo o fato geral de haver comunicação em meio à natureza. Está fora de cogitação negar as linguagens diversas que os animais desenvolveram em seus hábitats.
As formigas dispõem de feromônios e movimentos corporais comunicantes; os pássaros produzem sons específicos para o acasalamento e para a advertência, em momentos de ameaça.
Em seu ambiente, animais e plantas modificam suas cores, aromas e formas como linguagens que comunicam estados de coisas. O verde das florestas verdeja em variedade. Ainda que nossa percepção tenha apenas um verde fixado diante de nossos olhos, há multiplicidades de tons de verde que verdejam.
A filosofia nietzschiana diz que a vida está para além do bem e do mal, a vida está para além de valores morais. Mas a vida não tem valor transcendente, ou seja, exterior a si. Seu valor é imanente a ela mesma.
Os valores que o homem dá à vida derivam dos sentimentos que ele experimenta: quando alguém está triste, com dor, amargurado por perdas e decepções, é possível que diga: “A vida é terrível” ou “A vida é ruim”.
Por outro lado, quando essa mesma pessoa está feliz, apaixonada, dirá: “A vida é bela”. Mas tudo isso diz respeito apenas às nossas paixões.
A vida continua em seu fluxo, indiferente aos valores que lhe atribuímos. O que realmente importa é que, sendo ela pura, sem imagem ou forma, faz com que o homem tenha o dever ético de produzir seu próprio sentido de viver.
Clécio Branco é psicólogo clínico e professor de filosofia e sociologia, autor do livro “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas”.